Quem já galgou as escadas do Corcovado até os pés do Cristo Redentor sabe: a paisagem rouba o ar. Não só porque os degraus exigem paradas estratégicas para a ressuscitação pulmonar, mas porque, diante das retinas, falando do ponto de vista meramente estético, se descortina uma das mais bem-sucedidas alianças entre o homem e a natureza no planeta. Do barco distante aos prédios do Rio roçando o mar, tudo o que se vê é apoteótico. Não há vestígios de singeleza naquelas alturas.

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Justamente por conhecer o estado de arrebatamento experimentado no alto do morro, estranhei quando li no Instagram a legenda que abriu este texto para uma selfie captada lá de cima. É triste, mas desconfio que nem o barbudo esculpido de braços abertos na estátua, tampouco Seu pai onipresente e onisciente, possam nos salvar deste espetáculo de modéstia teatralizada que estamos testemunhando.

A ostentação da simplicidade é uma incoerência em si mesma, porque pessoas verdadeiramente simples não sentem necessidade de dar publicidade a suas elevações espirituais. Fazem o desfrute silencioso delas. Um cara que ao entardecer aponta o celular para o horizonte para depois escrever “estou em paz com as escolhas que me permitem ver o por do sol”, a rigor, perdeu o por do sol tanto quanto quem está metido num engarrafamento, tentando ganhar a vida de uma forma politicamente incorreta.

Nem todo retratista do poente age com exibicionismo, friso. Até porque quem compartilha instantes sinceros de sensibilidade, sem legendas doutrinárias ou de autoafirmação, se move também por generosidade. Implico com o falso verniz de desapego, quando, no fundo, o sujeito quer o que todo cara raso almeja: ser admirado a partir da inveja que ativamente desperta nos outros.

Se tivesse ousadia para estabelecer uma escala moral, colocaria a realeza dos camarotes acima dos ostentadores de simplicidade. O frívolo é muito mais confiável. Quando ele coloca a foto de um carrão, de um barco, da sacada em Miami, está ativando a cobiça alheia de um jeito transparente, quase literal. É o vazio escancarado, para o qual não falta plateia. O falso simples faz o mesmo, mas fingindo que está transmitindo ensinamentos. É uma dissimulação perversa.

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Guinadas existenciais, como a decisão de ficar a pé, de largar um salário todo dia 5 para ter mais tempo com quem amamos, tudo isto exige um estupendo sacrifício pessoal. Trata-se da renúncia de uma recompensa imediata, sempre confortável, por um estado de plenitude mais duradouro, a ser colhido no futuro. Não cheguei lá, talvez nunca chegue, sinto que me falta abnegação, minha preguiça insiste em me fazer um homem aquém do que eu poderia ser. Mas imagino que a colheita deste esforço se dá na forma de paz interior.

Se o sujeito tira proveito disto espalhando culpas, inflacionando fraudulentamente a própria sabedoria, há aí um estado inalterado de mesquinhez. Aos exibicionistas da simplicidade, cabe o conselho do velho Eduardo Galeano: “Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar.” Aliás, a diferença de profundidade da frase que abriu da que encerra este texto dá a noção da complexidade do mergulho até a simplicidade.