
Por ironia, três dias depois da publicação do texto, a escaldante cidade onde hoje vivo foi sacudida por uma tragédia juvenil. Um menino de 14 anos sacou uma pistola, matou dois colegas e feriu outros quatro, um deles ainda sob severo risco de morte numa UTI de Goiânia.
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Foi um coquetel social por demais conhecido: humilhações no ambiente escolar, fragilidade emocional na adolescência e acesso facilitado a arma carregada – este último apoiado com fervor quase religioso por imensa maioria de brasileiros autoproclamados de bem. Para mim, este último ponto foi a liga da tragédia. Sem ele, tudo ficaria no consultório dos terapeutas, e não na delegacia.
Previno, porém, que beira a cretinice querer discursar contra as armas na esteira de uma tragédia desta magnitude. Seria oportunismo, porque qualquer decisão madura precisa ser ditada pela razão, e não pela emoção. Vou poupá-los, pois, desta estratégia rasteira. Até porque os pais do menino são militares, quem, no meu mundo de Marlboro, deveriam deter o monopólio da força.
Só resolvi tocar no assunto porque, ao contrário daqueles que me pressupõem um romântico, sou infelizmente versado em armas. Servi o Exército como aspirante a oficial. Dei mais tiros do que 90% dos que salivam pelo Bolsonaro nas redes sociais. Atirar é horrível. Quem encontra prazer no manuseio de uma máquina mortífera tem um quê de sadismo.
Outra: levei um tiro pelas costas aos 16 anos, num assalto. A coisa é exatamente assim como narra o menino sobrevivente do atentado na escola de Goiânia. Ele nasceu no ano em que passei a assinar uma coluna no Santa, há 13 anos. A gente não sente nada, segue correndo, em seguida se desorienta e percebe a umidade do sangue na roupa. Reproduzo texto da entrevista:
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– E como foi na hora?
– Eu não senti o tiro. Com a correria, eu caí e pensei que eu tinha caído porque eu havia batido numa cadeira, até porque eu nunca pensei que iria levar um tiro dentro da sala de aula. Na hora que eu sentei na sala do lado e tirei a camisa, eu vi que estava baleado e sangrando. Eu ouvi o barulho, mas quando eu caí no chão eu não ouvi mais nada.
– Você tirou a camiseta na outra sala porque alguém avisou ou porque sentiu algo?
– Eu senti algo escorrendo nas costas. Tirei e vi o sangue.
Eis o meu ponto: será que fazer alguém experimentar uma umidade quente se espalhando pela roupa é o recurso mais eficaz para que nos sintamos seguros?
É uma pergunta retórica. Sou apenas um metido a Gandhi.