O circo armado para a votação do impítima da presidente serviu para unir canhotos e destros pelo menos num ponto: o horror diante da pobreza existencial dos deputados federais desta República. Depois de tanta certeza dividindo o país num muro que se fez real, a vergonha compartilhada entre gente com camisa da CBF e boné da CUT não deixa de ser alvissareira – embora a surpresa só denuncie o tamanho da nossa ingenuidade.

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Acompanhei a abertura da votação com interesse cívico, mas, admito, só fui até o fim porque estava sob remuneração. Lá pelas tantas, cansei do revezamento de homens que parecem ter saído de uma linha de montagem, variando apenas na citação de salmos e nas tonalidades da tinta acaju. Um amigo arriscou que dezenas têm colesterol limítrofe, mas aí, movido por impulsos corporativistas, acusei-o de gordofobia.

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Sem querer parecer mais esperto do que os outros, meu estômago sobreviveu sem embrulhos diante do espetáculo. Alguns, apressados, dizem que o parlamento é espelho da sociedade. Vi tão poucas mulheres, tão poucos gays fora do armário, tão poucos negros, nenhum índio, que ouso discordar. O parlamento é um reflexo do conservadorismo de quem doa para as campanhas. Por isto defendo o financiamento público. Pena que os arautos da retidão não se detêm nisto.

Bem, meu espetáculo de horror particular começou ao fim do domingo, início da madrugada de segunda-feira, passando os olhos pelo discurso dos vencedores nas redes sociais. Até agora não sei por que caí nesta besteira. Pelo menos valeu para encontrar alguma intersecção entre o povo e os deputados federais.

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Li um colega, dono de ironia fina em recorrente serviço à sordidez, atribuindo às mulheres petistas a condição de histéricas. Homens de todos os partidos e quadrantes urraram no microfone, mas o tom grave talvez seja confortável aos tímpanos do irônico, pois não encontrei uma sílaba de reprovação. O monopólio do descontrole que estes caras tentam atribuir às mulheres deveria nos envergonhar tanto quanto votar em nome da paz de Jerusalém.

E o que dizer do tratamento dado a Jean Wyllys? Sei que entro em campo minado, o rapaz tem uma passionalidade que termina por nublar o bom sujeito que é. Comporta-se de forma infantil. Mas isto não incomoda, só serve de pretexto para a nação externar, com uma baba espessa escorrendo pelo canto dos lábios, a preocupação pelo uso recreativo que o deputado faz do “órgão excretor”, eufemismo que os machões adoram usar. Seria coerente não fosse a indiferença com homens se derramando de amores por “esposas, filhos e netos” enquanto movimentam o maior mercado de prostituição de luxo no Brasil – às vezes até no banheiro do Congresso.

A experiência me leva a uma conclusão de cunho moral e anatômico: o pessoal deveria ter a decência de não se manifestar pelo “órgão excretor”, sobretudo quando ganha a parada.