Matriculei-me na academia. Não dava as caras numa desde quando lá se ia malhar. Hoje a turma vai treinar, o que me põe a pensar, espremido pelas paredes da etimologia, para que grandioso fim se prepara esta gente dada a apontar o celular para o espelho, fazendo biquinho. De minha parte, treino para que a velhice não seja um fardo aos que me amam, dentre os quais vaidosamente me incluo.

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Mas antes de elaborar um propósito altruísta, devo confessar: me joguei aos ferros por ordens médicas. Musculação me foi receitada como aspirina. Depois de ter oferecido meu pescoço a um cirurgião ortopédico, precisava recuperar a força que me foi subtraída do ombro por uma doença na coluna cervical. Aliás, imaginava que minha precariedade atlética estava restrita ao lado direito, quando uma fisioterapeuta, rasgando as fibras da sinceridade, dissipou a fronteira entre limitação motora e preguiça.

— Ambos os ombros são de quem não se exercita.

— !

A flacidez generalizada não foi a consideração científica mais cruel que tive de lidar. Algo ainda mais devastador me esperava na salinha de avaliação. Ali, depois de ter-me feito experimentar uma sensação de quase-morte entre flexões e abdominais, o educador físico me orientou a encostar na parede. Então, vencendo a frágil resistência de meus cachos, desceu a régua até o topo do meu crânio e sentenciou:

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— Um metro e setenta e oito centímetros.

Ouvi o resultado da medição inconformado, como um inocente condenado à morte por eletrocussão. Em 1992, quando provei que um filho desta mãe gentil não foge à luta, servindo ao Exército Brasileiro, o sargento também me mandou encostar na parede. Não precisou vencer a resistência dos cachos porque o barbeiro do quartel já havia cumprido a missão com máquina zero, mas lembro que a régua tocou igualmente o topo do crânio. Naquele amanhecer frio de outono, o sargento disse:

— Um metro e oitenta centímetros.

Voltemos a 2017. Ultrajado, solicitei nova medição. O educador físico refez pacientemente. Apenas evitou que eu trapaceasse, corrigindo o posicionamento do queixo. Não havia dúvida: encolhi dois centímetros no último quarto de século vagando pela face da Terra.

Saí dali arqueado, meio zureta, como se tivesse erguido todos os halteres da academia sob hedionda trilha pasteurizada de FM. Caminhei um bom par de quadras, aspirando o ar em movimentos curtos e desordenados, quando aos poucos foi clareando em mim a metáfora escrita pelo meu corpo. Talvez o envelhecimento sábio passe pelo encolhimento. Não apenas da envergadura física, mas da importância que damos a nós mesmos.

Chega um ponto em que vivemos tanto que já não fica de bom tom colocar-se sempre em primeiro plano. Só os jovens têm o direito de se impor indistintamente. Há momentos em que a vida nos exige recuos, e aceitá-los não significa desamor. É só sabedoria para enxergar nossa exata perspectiva diante das coisas que nos cercam. Não existe paz possível sem esta consciência.

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Em seguida vou expelir brônquios e alvéolos pelo nariz no supino, mas já me vejo com musculatura emocional para encarar encolhimentos futuros.

Uhu!