Ok, hoje é 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Mas as linhas que empilharei daqui para frente têm menos a ver com a data, encarada com restrições pelas meninas intelectualmente ativas, sobretudo se as felicitações vierem muito adocicadas, em letras rosas ou com florezinhas, e mais com uma inquietação masculina.

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Nestes tempos de legítima emancipação feminina, nenhuma palavra adquiriu tanta sutileza e complexidade quanto o verbo ajudar. Aquele mesmo, empregado para designar uma ação belíssima de desprendimento, de subordinação ao outro. Quem ajuda, assume-se coadjuvante, renuncia à autoria, tudo em nome de um bem acima de vaidades pessoais. A despeito de toda essa beleza intrínseca, nós, homens, temos encontrado dificuldade em aplicá-lo.

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Só calculei a proporção deste sofrimento psíquico ao flagrar um colega de firma, sempre sorridente, macambúzio por dias e dias. Compadecido com aquela dor silenciosa e duradoura, ofereci meu ombro. O sujeito, incapaz de sustentar uma conversa sobre carros por mais de dois minutos, que jamais saiu vencedor de uma mesa de sinuca, um homem em resumo sensível, pois este sujeito me confidenciou com os olhos rasos d?água:

– Minha mulher ficou magoada porque, quando a vi recolhendo os pratos da mesa, anunciei: “Vou te ajudar”. Desde então, temos dormido de costas um para o outro.

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Na mesa do café, com a cabeça apoiada num ângulo de 45 graus sobre a mão esquerda, meu colega continuou.

– Quando ofereci ajuda, não foi para reforçar as maldades da sociedade patriarcal, que atribui às mulheres a responsabilidade exclusiva pelas tarefas domésticas. Estava apenas me alistando ao esforço de quem tomou a dianteira. Teria feito o mesmo se ela, com um facão em mãos, estivesse abrindo uma trilha na mata fechada. “Vou te ajudar, vou te ajudar” – ficou ali, repetindo, como se o desgaste pelo uso repetitivo tirasse o peso do verbo.

Enquanto acompanhava aquela narrativa carregada de desconsolo, lembrei-me de uma amiga que, mesmo com pendores hippies, certa feita gabou-se da sorte de “ter um marido que a ajudava com os filhos.” Naquela ocasião, fui eu quem reagi ao caráter opressor do verbo.

Causou-me revolta mães imaginando que, depois de nove meses prostrado, estático como samambaias em dias sem vento, um pai ficaria alheio ao perfume de uma fralda cuja função acabou de ser cumprida, à sinfonia de um choro agudo a ecoar pelas madrugadas. Alguém conheceu um pai capaz de aceitar posição subalterna nestes momentos tão sublimes quanto fugazes? Se um homem aceita ser vice na criação dos filhos, é porque tem alma para compor refrões de música sertaneja.

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Bem, lá e cá, sufocados pelo machismo reinante, estamos empurrando o verbo ajudar para a mesma vala onde jaz o famigerado denegrir, que já foi tarde. Mas o ajudar, pelo exposto acima, merece toda nossa simpatia.

Urge um acordo linguístico, antes que só o dicionário de sinônimos devolva a harmonia aos lares.