Porque hoje a gente mais lê do que ouve os amigos, volta e meia leio meus antigos companheiros de passeata resmungando contra a meritocracia. Até entendo, o mérito acaba sendo uma arbitrariedade de quem domina, e quem domina é homem, branco e heterossexual. Por outro lado, o governo instalado há 12 anos em Brasília, eleito sob a bênção destes resmungões, se empenhou em mostrar que a amizade ou o parentesco com o poder valem muito mais do que o mérito. Perderam uma resplandecente chance de dar o exemplo, poxa.

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Bem, mas este não é meu ponto. O que me trouxe ao computador para dedilhar estas frases foi a necessidade de defender alguma métrica de desempenho dos servidores públicos. Se vão chamar de meritocracia ou não, deixemos para a semântica. Mas algo tem de mudar. Porque, do bom serviço público, depende sobretudo a camada da população que meus antigos companheiros de passeata dizem defender, do alto de sua benevolência ancestral. Portanto, não se trata de papo de burguês que só mexe em panelas quando está na sacada.

Fermentei esta indignação depois de duas experiências traumáticas na semana passada, uma delas numa agência da Caixa. Antes da porta giratória, ganhei de um estagiário uma senha que mais parecia criptografia: C218. Quando enfim cheguei ao caixa, após quase uma hora alicerçado nas nádegas, descobri o erro do estagiário: meu guichê de atendimento era outro. Nos arredores deste outro guichê, havia uma pilha de senhas jogadas ao chão, ou seja, diante da demora torturante, as pessoas desistiam. Eu também desisti.

O mais triste é que não temos como buscar atendimento mais humano na concorrência. O governo garante à Caixa monopólio de serviços essenciais a um trabalhador. Advinha quem paga por esta indiferença? Bingo! Não sei de vocês, românticos, mas já vivi metade do tempo que em tese me assiste. Não quero mais desperdiçar a vida para que outros mantenham privilégios. Por mim, passava FGTS, PIS e outras letrinhas das quais tanto precisamos a bancos privados. O PT se relaciona muito bem com os donos destes bancos. E estes bancos não deixariam senhas de gente cansada se acumular no chão. Não por amor à humanidade, mas por medo de nos perder.

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Outra situação chata, vivi no Juizado da Infância – em São Paulo, esclareço. Lá fui atrás de autorização para que meu caçula possa viajar sozinho para outro Estado. Antes mesmo do bom dia, o servidor disparou duas perguntas formuladas para me repelir: “onde o senhor mora?” e “qual a data da viagem?”. Queriam me expulsar, pela incompatibilidade de Comarca ou decurso de prazo. Fracassaram. Estava preparado com um dossiê à prova de burocratas, e eles tiveram de me engolir. Mas a coisa soa como um atendente do McDonald?s perguntando minha taxa de colesterol, na tentativa de me tirar da fila.

Não seria leviano em generalizar, há muito servidor que honra o ofício, até porque precisam trabalhar pelos que se escondem na estabilidade. Mas esta lógica é ruim. Com o perdão do trocadilho, não há mérito em ser tratado deste jeito.