Sou de um tempo em que havia empresas públicas capazes de alimentar ufanismos. O cara tratava os Correios e a Petrobras, por exemplo, como um atestado da competência nacional, com um fervor patriótico só destinado à Seleção Brasileira. Hoje, depois de ver tanto bandido contando dinheiro desviado de lá com volúpia, mordiscando a língua, camuflando em cuecas, é preciso desmedida dose de ingenuidade ou má-fé para se orgulhar de qualquer um desses – inclusive do time da CBF.

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Apesar das desilusões impostas pelos mercadores de nossos sonhos, que os venderam tão barato que nem Cazuza acreditaria, pelo menos do ponto de vista operacional não se pode negar confiança aos Correios. Acho até que eles abusam do artifício de dilatar o prazo de entrega, prometendo cumprir em sete dias úteis, só para nos surpreender quando chega antes. Comigo, os Correios só falham quando alguém fora da estrutura rói a corda. Foi assim semana passada.

Meu filho completou 15 anos. Tive ímpetos de sonegar-lhes esta informação para evitar especulações sobre meu declínio senil, mas, vocês sabem, 15 anos é uma data simbólica. Muitos fazem questão de homenagear a ponto de pagar a fortuna cobrada por um Sedex, apenas para garantir presente em mãos logo nas primeiras horas da manhã do dia do aniversário. Assim fizeram amigos de São Paulo.

O sol ainda poupava a pedra portuguesa da calçada quando o carteiro apresentou-se na portaria do prédio. Era a derradeira etapa de um processo que começara com a postagem na agência, desencadeara um carreto até o centro de distribuição, um voo de centenas de milhas, mais um carreto até outro centro de distribuição para, enfim, vir dar lá em casa. Teria dado retumbantemente certo, não estivesse o porteiro numa manhã de ansiedades afloradas.

– Tenho uma encomenda para o Inácio, do 1701.

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– Lá não tem ninguém com este nome, não.

E assim, num diálogo sumário, a encomenda retornou com o carteiro para o centro de distribuição. Só tive acesso a este contratempo porque o porteiro, num ato de dignidade tardia, se pôs a refletir sobre a decisão tomada.

– Meu Deus, é o menino dele!

Fiquei compadecido com a linguagem corporal do porteiro ao me participar do ocorrido. Os passos estavam miúdos, as costas se curvaram e as palavras saíam pesadas, quase inaudíveis. Obviamente, fiquei aborrecido, ele poderia ter sido mais cuidadoso, mas não sou homem de arroubos verbais. Jamais vi nada inteligente resolvido na base do grito, quanto mais diante de alguém ciente de que cometeu um equívoco. Ouvi a história em silêncio e me fui atrás dos Correios, a fim de corrigir o mal-entendido.

Uns dois dias depois, enquanto estacionava, percebi a aproximação do porteiro na luz difusa da garagem. Estava fisicamente mais relaxado, mas as palavras ainda custavam a sair.

– Como o senhor não disse nada, ficou me doendo ainda mais o que fiz com seu filho.

Para quem tem caráter, amigos, não há maior fardo do que a consciência do próprio erro.