Num amanhecer de outubro, antevéspera da eleição de 2010, dormia o sono dos honestos sob a sinfonia dos passarinhos ali da Itoupava Norte. Estava em vias de ronronar quando, num sobressalto, despertei com o sinal sonoro do celular. Era um torpedo, naquela época ainda não tinham inventado o uatizápi. Dizia o seguinte, a mensagem de texto: “Olá, uma governadora e uma presidente amigas trabalhando juntas é o melhor para Santa Catarina”.

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Tentei adormecer de novo, mas fracassei. As palavras assinadas pela então senadora Ideli Salvatti retumbavam na minha consciência. Ok, já era grandinho para acreditar em pacto federativo e outras leis formuladas para dar autonomia a Estados e municípios.

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Somos um povo de espírito colonial, para quem nada se faz sem a bênção do poder central – e por isto hoje estamos na rua para derrubá-lo, praticamente indiferentes às sem-vergonhices de mesma natureza cometidas por prefeitos e governadores.

Bem, naquela ocasião, me espantava a desfaçatez como a proteção aos colegas de partido virara plataforma eleitoral. A institucionalização da amizade como critério de decisões de governo, a meu ver, desestimula o empreendedorismo. Naquele momento de emersão da crise bancária dos Estados Unidos, em vias de eleger Dilma para o primeiro mandato, o Brasil vivia uma atmosfera de relativo otimismo. Havia executivos debruçados sobre planos de negócios, buscando eficiência e viabilidade econômica para pleitear um financiamento público.

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Ora, se eu fosse eles, rasgaria o diploma de Harvard e ia logo pagar um chope para algum figurão com trânsito em Brasília. Na República dos Amigos, as coisas avançam na base do tapinha nas costas e na remuneração de pixulecos. Sempre foi assim, friso, antes que algum mortadela me tenha por coxinha. Se bem que, pelo desencanto que conduz este texto, talvez me recomendem vestir a camisa da CBF e dançar o axé cívico num domingo desses.

Ando amargurado, com saudade do tempo em que a Ideli pedia voto amparada na amizade com Dilma. Ambas, se eleitas, estariam metidas em cargos públicos, sob a mira inclemente do aparato fiscalizador da República e pressionadas por uma sociedade indócil com quem combina duas condições: mulher e petista.

Seis anos e três eleições depois, testemunho horrorizado, os amigos do PT emprestam sítios reformados com dinheiro de origem suspeita, apartamento de três andares com vista para o mar, tudo sem que ninguém me avise por torpedo ou uatizápi. E o beneficiário dos mimos acha normal, bacana, ok, sussa, é até aplaudido pela claque quando admite.

E eu, ingênuo, embranqueci fios de cabelo com inofensivas amizades registradas sob a bênção da Justiça Eleitoral.

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