“Tenho encontrado severas dificuldades para rir das piadas sobre a Dilma disseminadas pelo uatizápi, e a turma, apesar da minha desilusão confessa, insiste em atribuir meu azedume a uma espécie de petismo residual. Não tenho pretensão de impor limites ao humor, que já está posto pela plateia. A viabilidade de uma anedota se estabelece na quantidade de idiotas dispostos a rir delas. Se almejam mesmo fazer este espaço entre o solo e o céu um lugar mais decente, invistam na educação para o discernimento do público e deixem os humoristas em paz, até que um silêncio se forme diante deles.

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O que me incomoda neste humor de uma força política sem vocação para Pasquim são as repetidas referências aos atributos estéticos da presidente, que seriam, segundo estes autores de ocasião, impeditivos para que ela fosse sexualmente desejada – fuckable, como dizem os anglo-saxões. O roteiro gira em torno de uma mesma história: há sempre alguém tangenciando aquilo que seria o heroísmo de transar com a presidente.

Não me tenham por careta. O humor, como qualquer manifestação cultural sem pretensões revolucionárias, se serve da lógica vigente. E, no topo desta cadeia alimentar, encontram-se os homens brancos, heterossexuais e magros. Eis a causa para a profusão de gracejos usando mulheres, gays, negros e gordos como escada. Pode sair coisa boa daí? Pode, já ouvi e ri muito. Podemos reproduzir inadvertidamente, como algo inocente? Acho irresponsável.

A coisa toda se torna ainda mais calhorda na medida em que jamais ouvi piadas no mesmo nível de acidez sobre o heroísmo das frequentadoras, todas jovens e reais, dos lençóis do Temer, do Calheiros, do Marco Polo Del Nero. Nossa cultura dominante tornou fuckables estes senhores, que, metaforicamente falando, também nos levam para a cama. Lamento a minha falta de competência para o humor, pois vejo aí uma matéria farta para nutrir correntes de uatizápi.

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Destas forças políticas sem vocação para Pasquim, dou risada do que fazem jurando ser sério. Se as meninas chamam a atenção para a tal cultura do estupro, mandam se vestir de forma mais recatada. Se o cara discursa contra a homofobia, está a favor da ditadura do “gaysismo”, como se orientação sexual fosse obra da propaganda, e não de uma condição natural inata. Aliás, o Brasil é o único lugar do mundo onde a opressão é invertida para manutenção de privilégio. Quer coisa mais engraçada do que a ideia de uma marcha do orgulho hétero? Kkkkkkkk!!”

Bem, esta seria a minha redação para o Enem deste ano, cujo tema foi “A Persistência da Violência Contra a Mulher na Sociedade Brasileira”. Muita gente discursa contra os sujeitos odiosos que espancam mulheres, sem se dar conta que, no afã de fazer rir um riso fácil, provocam sofrimento de mesma natureza.