O tempo tem trabalhado com obstinação na tarefa de me fazer um sujeito invejoso. Pensei que me tornaria sábio, ponderado, lúcido sobre minhas possibilidades e limitações, mas a verdade é que, com o avanço inclemente dos anos, fermenta em mim o pecado mais antigo da humanidade. “A inveja é inconfessável, mas ninguém se livra dela”, diz o Zuenir Ventura, autor do livro “Mal Secreto”, numa frase que de certa forma me consola. Talvez eu esteja apenas confessando um sentimento confinado por todos nas entranhas da alma. Mas o fato de estar acompanhado não alivia minha sordidez.

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Como atenuante, posso dizer que não invejo o sucesso do outro, pelo menos este sucesso que se convencionou chamar de sucesso. Não ando com ganas de ter apartamento em Miami, de ter um carro de três andares ou de uma mulher 20 anos mais jovem e com seios artificialmente moldados. Não, definitivamente, este sucesso alheio não me tira o prumo. Minha inveja mora em experiências que já tive e, por contingências, quase todas impostas pelo tempo, não posso mais ter.

Por exemplo: tenho uma inveja doentia, daquela que precede um ataque por esganação ao pescoço, de alguém que ainda não viu a série Breaking Bad. Tenho saudade da pele eriçada, da respiração falha, a cada movimento de Walter White a bordo da vaidade eminentemente humana, mascarada por falsos altruísmos. Trata-se de um dos personagens mais potentes paridos pela ficção, atesto, na condição de consumidor de ficção. Há muita gente que ainda está por viver esta experiência estética profunda e até certo ponto transformadora – tenho tanta inveja deles.

Também me detenho em pecados com quem ainda não viu a neve. Porque para nós, nascidos nestas quenturas abaixo do Equador, o gelo caído do céu representa um cenário distante, quase onírico. Nunca esquecerei certa manhã em Praga, quando os primeiros flocos, esparsos, colidiam contra meu rosto. Então fui almoçar, num porão nas imediações do prédio dançante. Quando, saciado, voltei à superfície, a cidade estava branca, coberta por generosas polegadas de neve. Tenho tanta inveja de quem ainda está por vez isto a primeira vez. Porque, depois, começa a incomodar. A intimidade é corrosiva.

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Por fim, minha mais nova inveja de estimação, destino aos amigos petistas e aos que odeiam o PT. Como é bom nutrir alguma esperança, ainda que tola. Depois que prenderam um senador que era tucano negociando vantagens para o PT, ao lado do financiador da lua de mel do Aécio, é preciso uma ingenuidade quase infantil, ou um desprendimento fantástico, para abraçar um lado com entusiasmo, revestido de certezas. Aliás, acho que é isto: tenho inveja de quem tem um lado, seja ele qual for.

Será que vai piorar? Pergunta sobre a minha inveja crescente, porque, sobre a política, todos sabemos a resposta.