Sou um homem de medos mil, quase um pusilânime em tempo integral. Mas poucas coisas me aterrorizam tanto quanto, diante de um ventre protuberante, sondar para quando é o bebê de uma mulher que não está grávida. Neste mundo onde o sucesso se mede também pela circunferência abdominal, cometer uma gafe desta magnitude garante ódio vitalício ao autor.

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Minha estratégia contra este risco paralisante se resume ao silêncio disciplinado. Não faço projeções de partos nem se estivesse seminu num porão fétido e escuro, pendurado, sob a custódia do Coronel Brilhante Ustra. Às vezes passo por insensível, indiferente à vida de pessoas que me importam. Sobretudo quando colegas partem para a licença-maternidade sem que jamais tivéssemos entabulado uma conversa sobre filhos – justo eu, que aprecio tanto falar dos meus, a ponto de cansá-los.

– Pai, vais falar de mim de novo?

Mas nutro a convicção de que meu desinteresse artificial, interpretado às custas de miseráveis recursos cênicos, é menos antipático do que presunções de nascimentos a partir de uma barriga crescente, sem interferências de uma vida em formação. Sabemos todos, há outras coisas também prazerosas que, em excesso, dilatam medidas corporais.

Testei a tenacidade do meu silêncio ao longo de um processo terapêutico. Estava tentando decifrar as razões ocultas dos meus excessos, não estes engordativos, mas outros igualmente autodestrutivos, fontes de sofrimentos evitáveis. A psicóloga, jovem, me emprestou os ouvidos por cinco meses. Foi importante companhia nesta travessia pela escuridão da minha alma.

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Lá pela terceira sessão, porém, reparei a troca do jeans por peças mais largas, como vestidos e outras cujo nome o desequilíbrio de testosterona me impede de gravar. Diria que eram batas, talvez. Houve manhãs em que a encontrei no elevador da clínica, já com passos vacilantes em caminhadas interrompidas com uma das mãos na região lombar.

Ainda assim, diante de evidências visíveis e audíveis, visto que a respiração lhe saía penosa, o pânico de uma gafe me conteve. Jamais pronunciei uma sílaba sobre qualquer coisa que remetesse a uma gestação. Gostaria de justificar que mantive o silêncio em respeito à liturgia da psicoterapia, na qual a figura do psicólogo precisa ser esvaziada para que o paciente avance, mas não foi bem assim. Até tinha curiosidade, mas fingi sobejamente. Tudo por cautela.

Fomos assim até um momento crítico, quando não era mais possível tangenciar o assunto. Foi só ali, admito, que tive certeza absoluta de que a terapeuta gerava um bebê. Com certo pesar, medindo palavras, ela anunciou a necessidade de interromper o tratamento para se dedicar à maternidade. E logo depois desta informação de ordem prática, arriscou uma interpretação que me pareceu um diagnóstico:

– Fabrício, você ignorou minha gravidez por medo da perda, para não pensar neste instante de ruptura.

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Achei a hipótese um tanto dramática, embora nossa alma seja cheia destas intensidades camufladas, que escapam até a nós mesmos. Mas o que ficou desta conversa foi o caráter mesquinho dos meus silêncios diante de ventres femininos protuberantes. Sempre julguei agir em cuidado das meninas, temendo ofendê-las. Mas ficou explícito que tudo não passa de um esforço de autodefesa, movido pela minha necessidade (humana?) de não ser odiado.

Bem, depois de parir este texto, espero que a licença-maternidade da minha terapeuta tenha acabado.