Imaginem um ser humano desprezível. A mim, me ocorre um arrombador de escola pública em periferia, que rouba merenda e computadores, ultrajando um espaço capaz de impedir a multiplicação de pessoas vis como ele, o ladrão.

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Se você se dedica a repulsas mais institucionais, vale imaginar o Lula, a Dilma, todos que se opõem ao Sérgio Moro, enfim, o importante é revirar as entranhas do desprezo. Pensou? Pois vos digo: não desejo a nenhum deles um exame de ressonância magnética.

Não vêm ao caso as razões que me levaram àquele cilindro demoníaco, porque, como cronista de pretensão é inversamente proporcional ao talento, me creio elevado demais para longas conversas sobre doenças – ainda mais as minhas. Basta informar que o médico foi bastante persuasivo, embora, já na condição de sobrevivente do aparelho, tudo o que ele me disse agora pareça pouco convincente. Poucas causas valem tamanho martírio.

Já na recepção da clínica dei ciência dos meus pendores claustrofóbicos. Uma moça de jaleco, sorriso customizado para gente em vias de perder a compostura pelo nervosismo, me apresentou duas opções: um túnel mais estreito e outro mais largo e portanto arejado, mas com uma coleira medieval.

Li ao longe o nome do fabricante do equipamento e refleti: alemães não seriam descuidados a ponto de matar por asfixia alguém em busca de cura. Optei pela primeira modalidade. Foi um erro.

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Tão logo deslizei cilindro adentro, uma realidade apocalíptica se instalou. Meu nariz distava uns cinco centímetros das paredes de ressonância magnética, que, àquela altura, reverberavam também meu desespero.

Um som caótico ecoava de forma tão ostensivamente agressiva que, depois daquela experiência de no máximo uns cinco segundos, revi minhas considerações sobre o silêncio. Julgo-me inclusive em condições de alcançar a meditação numa praça de alimentação de shopping às vésperas do Natal.

Em meio à desolação crescente, lembrei-me de uma orientação redentora dita pela moça de jaleco antes de eu ser engolido pelo cilindro barulhento:

– Se precisar de alguma coisa, aperta aqui.

Por “aqui”, entenda-se uma bolinha inflável que, contraída, dispararia um alarme cuja tradução é “desisto, me tira deste lugar horroroso”. Dali fui resgatado, sob a complacência profissional dela.

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Restava-me a segunda opção, a da coleira medieval. Com passos moribundos, fui até outra sala onde, de fato, repousava um cilindro de diâmetro mais civilizado. Estava recompondo a respiração quando a moça de jaleco sacou da prateleira um acessório que me pareceu um elmo.

Só não me senti a caminho de uma tortura porque os alemães abusam de peças brancas, asseadas e simétricas. O design germânico amenizou minha sensação de morte iminente.

Novamente introduzido ao cilindro, me vi em meio aos urros da máquina. Como resistia àquela realidade igualmente apocalíptica sem apertar a bolinha da salvação, a ressonância magnética começou a fazer seu impiedoso trabalho. Meus lábios tremeram por minutos que pareceram milênios.

Prostrei-me ali, no limbo emocional entre o pânico e a resignação, cogitei a desistência tantas vezes quanto respirei, até que recebi uma notícia que jamais esquecerei.

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– Pronto! Acabou!

É o que digo a vocês sobre 2016. Pronto! Acabou!