Ando ouvindo uma frase capaz de estufar peitos mais afoitos:
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— Fabrício, você é o cara!
Se há algo que a vida me ensinou foi a não desperdiçar elogios. Gozo-os com a volúpia de um vegano diante de jacas, mesmo quando imerecidos — o que, no meu caso, desgraçadamente, são a maioria. Ouço palavras carinhosas num volume incompatível com meu caráter. Sou cínico e emocionalmente assimétrico para justificar tanta consideração. A prova disto é que desfruto dela sem pudores de consciência.
De umas semanas para cá, porém, não tenho encontrado paz no cultivo desta imoralidade. Pela primeira vez em mais de quatro décadas, não por excesso de exigência comigo mesmo, talvez por análise mais sincera do mérito, considero meus feitos ordinários demais para merecer admiração. Há algo de sórdido no respeito automático que a cultura dominante me confia, simplesmente por eu ter nascido menino.
O leitor mais atento já deve ter notado pelas reiteradas lamúrias de saudade que, por contingências temporárias, estou vivendo a 830 quilômetros da minha mina, segundo informa a medição em linha reta do Waze. Neste processo de reorganização matrimonial, coube a mim ficar com nossos meninos. Trata-se de um trabalho tão prazeroso quanto simples, dada a alma iluminada destes dois sujeitos já à beira da vida adulta.
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Aliás, minha maior chateação neste período foi a percepção de como a carreira atrapalha a paternidade, e não o contrário, como a turma é treinada a pensar. Ao assumir integralmente um compromisso operacional da casa, coisa que há pouco se dava em termos de coautoria, encontrei um tesão adormecido. Um feijão chiando na panela de pressão tem em mim o mesmo efeito de um parágrafo bem redigido. Sinto-me radiante com a missão que a circunstância me trouxe.
Mas o fato de ser um portador de pênis transforma minha rotina, leve e linda, em gesto de heroísmo aos olhos de um mundo forjado no machismo. Houve gente que, no afã de gentilezas, o que me comove, me classificou de “pãe”. É uma corruptela para quem acumula os cargos de pai e mãe.
Ocorre que a distância não reduziu a maternidade da minha mulher, assim como não fui menos pai nas incontáveis vezes em que me ausentei correndo atrás de aspirações pessoas, nem todas com relevância para compensar o sacrifício. Também não me consta que ela tenha sido chamada de “mai” nestas minhas ausências. É na palavra, inclusive nos neologismos, que a lógica injusta se reafirma.
Nestes dois meses, presumo com certa liberdade estatística, recebi mais elogios do que minha mãe em 40 anos de exclusivo sacerdócio doméstico. Sou grato aos que se ocupam me encorajar. É fruto da bondade de amigos, da preocupação genuína comigo, com meus filhos, com minha família. Mas me permito estranhar o silêncio para mulheres metidas em responsabilidade iguais ou mais complexas do que as que ora enfrento com data para terminar.
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Um mesmo esforço passa de virtude a obrigação, tendo a genitália com régua. Não consigo me sentir confortável numa sociedade assim. Ou revemos as falsas glórias atribuídas aos homens, ou vou cobrar elogio por fazer xixi em pé.