O garçom veio serpenteando pelo salão, equilibrando travessas de alumínio com uma destreza que por si só justificaria os 10%. Já dei gorjeta por bem menos nos semáforos da vida. Quando se posicionou à beira da mesa, espalhou os pratos fumegantes sobre a toalha com a naturalidade de quem dá as cartas num jogo de truco.

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O perfume da maminha, arada com suavidade pela grelha, logo se instalou. Levemente dourada nas bordas, a batata frita também prenunciava a competência vigente na cozinha. Exceto pela salada de alface com tomate condenada ao esquecimento, tudo ali parecia emprestar sentido ao mundo de alguém com 15 anos.

Mas meu filho parecia especialmente incomodado diante da fartura. Retesado na cadeira, lançava um olhar com contornos de pânico até um ponto incerto do banquete que acabara de pousar em nossa frente.

– O que foi? – perguntei, sem grandes expectativas de socorrê-lo.

Adolescentes não são lá muito receptivos a intervenções externas, sobretudo quando elas interrompem exercícios de isolamento tão característicos da idade. Não sou tão experimentado na arte de ser pai de um ser humano na metade do caminho entre a infância e a vida adulta, mas já descobri a inutilidade de conversas puxadas quando indivíduos nesta faixa etária estão deitados em algum canto da casa – ou seja, nove em cada 10 minutos do convívio que nos cabe.

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Mas meu menino, e aqui debitem da minha corujice e creditem no caráter dele, cruza a turbulência existencial com extrema doçura. Nunca se furtou em responder minhas indagações, não raro plenas de tolice e insegurança. E assim me atendeu em meio ao transe no restaurante.

Estou preocupado com aquilo ali – disse, apontando para a menor das travessas, onde repousavam cinco unidades de uma iguaria cilíndrica, frita envolta numa massa de ovo e farinha, método que a cozinha brasileira, sem maior rigor histórico-geográfico, batizou de à milanesa.

Apoiei o queixo no indicador e no polegar e fiquei ali, por segundos eternos, tentando decifrar a receita. Incomodado com meu silêncio, o menino então declarou a raiz da dúvida que lhe dilacerava a alma num almoço dominical.

– Não sei quantas vezes me deixei enganar por uma banana à milanesa. Não quero passar por isto de novo, pai.

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Senti dó do meu filho. De fato, resta um trauma cada vez que nos jogamos, sôfregos, esperando um presunto imerso no queijo mussarela derretido, um frango desfiado deitado em berço esplêndido de catupiry, mas o que jorra entre os dentes é um fruto gosmento, amolecido pelo calor. Ofereci-me como cobaia, mordisquei a iguaria e poupei o Inácio de mais uma frustração violenta.

– É quente, mas é fria. Não come.

Quando, depois de vencer a resistência crocante, um resíduo doce e viscoso se acomodou em minha boca, me pus a traçar um paralelo entre os pratos à milanesa e a política em Blumenau. Por fora, sobretudo depois da falência moral dos barbudos que juravam nos proteger dos ricos malvados, tudo parece a mesma coisa. A gente vai lá, com apetite, vota, juraque vai se satisfazer, mas não raro encontra apenas mais um banana.

Sei lá, desconfio quando o cardápio, na política e no restaurante, se mostra muito homogêneo. Dá pinta de indigestão, já descobriu o meu menino.