Nutro admiração por quem compartilha religiosamente pormenores do próprio desempenho atlético nas redes sociais. Também uso estes aplicativos de celular enquanto tento fazer minha cintura se parecer menos com a Linha do Equador, mas me falta autoestima para dar publicidade aos meus resultados. Não somente porque eles parecem acanhados diante da desenvoltura de meus amigos, mas também pela dificuldade de imaginar alguém, além da Dona Gicelda, minha mãe, capaz de se interessar por este tipo de informação sobre mim.
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Agora, porém, para legitimar o relato deste texto, devasso meu RunKeeper e vos digo: no dia 8 de dezembro de 2015, uma noite de temperatura amena no Cerrado, pedalei 14 quilômetros por 70 minutos. Galguei uma velocidade de 12km/h, meu recorde segundo o aplicativo, e gastei 625 calorias, rapidamente respostas por 250 gramas de picanha grelhada – esta última informação não consta do aplicativo, previno.
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Como se vê, não poupei tempo e suor para tirar uma teima que me angustiava. O propósito deste passeio foi ver se a maturidade, enfim, me trouxera a complacência para com a iluminação de Natal. A verdade colhida desta experiência, cruel, é que sou cínico demais para desfrutar das luzes da cidade acesa, assim, como escreveu Leandro ou Leonardo ou os dois, porque não só as luzes que estão acesas. A cidade também se acende para ver as luzes, embora eu não consiga tomar parte neste faiscante banquete cromático.
Considero estes leds importados da China uma espécie de habeas corpus para a cafonice generalizada. Já vi gente esteticamente pretensiosa aos suspiros diante de lâmpadas hediondas, disputadas às ombreadas no comércio popular. Não sei de onde vem esta minha incapacidade de umedecer os olhos diante de uma parede, de um telhado, de um portão piscante.
Não sou um sujeito de apuro estético, já passei carnavais e mais carnavais cantarolando refrões compostos só com vogais em Laguna. Também não me tenho por um cidadão com rigorosa agenda ambiental, visto que como transgênicos e verduras irrigadas com defensivos agrícolas sem maiores hesitações de ordem moral. Portanto, minha aversão às luzinhas constitui um mistério.
Arrisco, contudo, uma hipótese. Acho que a culpa é do Bira, meu cachorro, falecido no inverno de 2012, para o luto de todos lá em casa. O Bira, por puro diletantismo, corria sem parar atrás da luz da uma lanterna, que mexíamos para lá e para cá, tentando acentuar o prazer do bicho.
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Bira sempre saía feliz destas correrias inúteis. Parecia leve, espiritualmente afagado, como quem acabara de estar diante de um Monet, de um Klint. Aí reside minha discórdia. Se as luzinhas servem de fruição estética para um cachorro, é de bom tom empregar os milhões de neurônios a mais, esculpidos pacientemente pelo processo de evolução, para encontrarmos um entretenimento menos patético.