Li um artigo assinado por um general, dias atrás, publicado no Estadão. O cara estava assanhado por um golpe. Virou moda, este negócio. Sinto-me triste, não pela perda da liberdade, mas pela falta de repertório intelectual desta gente saudosa de milicos. Se há uma minoria indigna de grandes considerações são estes suplicantes pela volta da ditadura militar. Não só pelas ideias, ralas como caldo de feijão de bufê, mas sobretudo por questões de semântica. Há um erro de conceito em classificar todo ladrão de vagabundo.
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Estes caras que a turma aspira amarrar em postes pensam e suam acima da média do brasileiro. Não reservo simpatias por bandidos, porque canalha, rico ou pobre, segue sendo canalha. Só não considero justo culpá-los pela preguiça.
Manhãs dessas, com o sol ainda diáfano das 8h, uma amiga teve a bolsa arrancada por um ladrão de moto que, admito, sai da cama antes de mim. Não tomo o episódio como pretexto para dissertar sobre segurança pública, pois, o que tinha a dizer, foi dito nos parágrafos acima, com a densidade de um caldo de feijão de bufê. Desta violência matinal, sobressaiu-se a complexidade da alma feminina. Explico.
Enquanto mirava o motoqueiro-meliante se afastando, ela puxou o celular guardado no bolso da calça como estratégia, neste caso bem-sucedida, para sabotar a colheita dos ladrões. Ligou para o noivo, pois é dessas moças dadas a liturgias, que noivam. O noivo trabalhava a três quadras do local do ataque. Um colega dele, captando fragmentos da conversa, saiu-se porta afora, montou na própria moto e embrenhou-se em perseguição ao bandido pelas ruas do bairro.
Vendo o colega cumprindo as funções regidas pela testosterona, o noivo permitiu-se racionalidades. Calmamente, ligou para a operadora de crédito e o banco, pedindo o bloqueio dos cartões. Só uns 20 minutos e 36 gerúndios depois, deixou a firma e foi ao encontro de minha amiga. Encontrou-a à esquina, chorosa, já em companhia de seu colega, àquela altura um ofegante desistente da perseguição.
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Filtrado pelo tempo, o susto de minha amiga se transformou num ressentimento. No íntimo, confessou-me ela, esperava que o noivo se jogasse à caça do sujeito, e não o colega dele. Restou algo de frouxidão incompatível com um macho cuja fêmea sofreu bote de outro macho. “Será que devo mesmo casar com ele, Fabrício?”
Receio não ser o mais indicado para tal aconselhamento. Aos 16 anos soltei as mãos da namorada para fugir de um assalto, numa covardia que me custou duas condenações vitalícias: a vergonha dos pusilânimes e as piadas ruins inspiradas em quem ostenta um tiro de revólver nas nádegas.
Meu silêncio constrangido diante da pergunta, portanto, não significa endosso às incertezas da minha amiga. Como me faltam poucos toques até o fim da coluna, não arriscarei ensaios a respeito do desejo feminino de proteção nem sobre as propriedades afrodisíacas da brutalidade masculina. Prefiro lamentar profundamente aquela manhã, quando o ladrão roubou muito mais que uma bolsa recheada de cartões de crédito.
O cara levou a confiança de uma mulher em seu homem, razão pela qual tenho ímpeto de chamá-lo de… vagabundo.
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