A vida é uma sucessão de acontecimentos ordinários interrompidos por momentos de beleza aguda. Não se trata de uma constatação amarga, esta. Sou amante da rotina, já colhi muita formosura me repetindo diariamente. Mas, humano que sou, dado a vícios, mantenho o radar permanentemente ligado para estes instantes em que a gente, sugando o ar que rareia, tem uma iluminação. “Pôxa”, imaginamos logo depois do arrebatamento, “então é para isto que aqui estamos, vagando acima do chão e debaixo do céu”.

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O mais irônico é que momentos capazes de elevar a existência não se deixam aprisionar por planejamentos. É bom que seja assim, porque, caso contrário, a plenitude seria prerrogativa de gente com MBA em logística avançada ou algo que o valha. Aliás, o planejamento é a morada do ordinário. Não adianta o sujeito comprar uma passagem para, sei lá, Miami, calculando voltar com um instante eterno na mala. Às vezes, o sublime está na esquina, para quem tiver sensibilidade de enxergar.

Não que as pequenas eternidades não possam se insinuar numa viagem. Vivi uma delas numa ocasião bastante clichê, numa das cidades mais visitadas do mundo. Estávamos no Rio de Janeiro, e o Rio se impõe covardemente sobre nosso poder de contemplação. Até um sujeito meio ogro, autocentrado, que bebe quantidades industriais de cerveja ao som de sertanejo, se emociona com o Rio de Janeiro. Há uma exuberância a cada rua dobrada, a cada janela aberta.

Bem, falava do meu momento no Rio. Vínhamos eu e meu caçula, a passos largos pelo Calçadão de Copacabana. Ao fim da praia, margeamos o quartel do Forte e seguimos por uma rua asfaltada, de acesso a Ipanema, onde pegamos um açaí com guaraná. Fomos dar num bosque, rente à Pedra do Arpoador. Quando meteu os pés na areia, ergueu os olhos da tigela e deu de cara com o Dois Irmãos iluminado pelo sol difuso do entardecer, o moleque disse, com os olhos úmidos:

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– Obrigado por me trazer aqui, pai.

Pode parecer exagero paterno, mas a frase dele, cuja entonação ecoará pelos meus ouvidos para sempre, continha tanta beleza quanto tudo ali à volta. E olha que, ali à volta, há uma das mais potentes concentrações de belezas do mundo. Porém, vocês deverão concordar, é lindo quando um menino, então com oito anos, sente gratidão por uma experiência abstrata. Tudo sem se achar merecedor, sem conjugações histéricas para o verbo querer, como tanta criança tem sido estimulada a fazer por pais metidos em imaturidades e culpas.

Naquele entardecer do Rio de Janeiro, fui testemunha ocular do desabrochar de um ser humano legal. É uma baita sorte ser pai dele.

Voltei então em paz para a minha sucessão de acontecimentos ordinários.