Ouvi uns tempos atrás dois conselhos distintos, um sobre culinária, outro sobre rotinas administrativas na firma, que me pareceram inicialmente brilhantes. Não contive um “uau!” quando me entraram tímpanos adentro.

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Ouçam:

1) A perfeita dose de pimenta respeita o paladar de quem não gosta e é percebida por quem aprecia.

2) O bom administrador é aquele que não deixa o essencial virar urgente.

As sentenças soam tão simples, tão carregadas de obviedade, tão mascaradamente fáceis de assimilação, que, quanto mais tento colocá-las em prática, mais me sinto inábil com panelas e burocracias em geral. Apesar do comovente esforço na aplicação destas máximas, sigo fazendo muita boca arder e quase deixo meus filhos órfãos ou então sem leite, de tanto estresse evitável a que me submeto, sob risco de magoar o chefe. Tudo porque me faltam respostas.

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Quantos giros no moedor de pimenta indicam a dose perfeita? Dois? Três? Na hipótese de encontrarmos um parâmetro matemático, todos os moedores estão igualmente calibrados? Mas a angústia não habita apenas a cozinha. Em que instante um compromisso vital escorre pelos cantos da agenda e ganha caráter de urgência? Quarenta e oito horas antes? Vinte e quatro?

A existência de tais mistérios nos move, ingenuamente, para a busca de uma resposta pronta, válida para todos os bilhões de habitantes do planeta, a qualquer hora, em qualquer lugar, independentemente das condições de temperatura e pressão. Trata-se de uma obsessão coletiva por manuais, como se a vida fosse um refrigerador ou um forno de micro-ondas.

Prova desta pretensão insana é o sucesso dos livros de autoajuda, hoje alicerce do mercado editorial ao lado dos livros didáticos. Trata-se de uma estupenda oportunidade a picaretas de todos os quadrantes. Ansiamos por alguém que nos diga faça isto e aquilo que o resultado será este, inarredavelmente. Me parece um desejo tolo, quase infantil, porque desconsidera o poder da intuição como definidor de sucesso ou fracasso.

A intuição nada mais é do que a habilidade cerebral de decidir sem pensar, a partir de sinais percebidos sem a mediação da razão. Parece uma definição acadêmica meio empolada, talvez esotérica, mas, na verdade, ela desautoriza os autores de frases prontas como conselheiros de uma vida melhor. Simplesmente porque não é possível aceitar que todos humanos sintam a realidade de uma mesma maneira.

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Fosse pelos campeões de vendas nas livrarias, o mundo só seria habitado por pais e mães devotados e infalíveis, com milhões de dólares aplicados na bolsa de valores e fazendo pratos com pimenta na medida perfeita, sem queimar os lábios de ninguém.

E gente como eu estaria condenada à extinção.