Uma ansiedade indomável se apodera de mim cada vez que dou por encerradas as compras no supermercado. Trêmulo, arquejante, com suor a escorrer pela face, lanço um olhar de rapina sobre os caixas. Procuro clientes menos afoitos, dados a comedimentos de consumo, cujas necessidades caibam numa cestinha. Jamais entro em filas com esses sujeitos que enchem o carrinho como se estivessem esperando uma guerra – ou uma enchente, para ficarmos no âmbito mais familiar.

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Dias atrás, já em meio à histeria consumista de um início de mês, quando o pagamento dos salários nos ouriça a alma, lá estava eu, trêmulo, arquejante e com suor a escorrer pela face, tentando uma maneira rápida de quitar um saquinho de curry. É com este tempero de origem indiana, mesmo embalado com graus variáveis de cuidado, que enfeitiço a meia-dúzia de ingênuos que me têm em boa conta na cozinha. Toda minha reputação gastronômica custa R$ 4,50, dependendo do beneficiador. Eis o segredo deste impostor.

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Vasculhei a área de caixas. Havia um burburinho desolador, gente se ombreando, carrinhos se batendo. Na de número 23, flagrei uma apreciadora de cachorro-quente. Deduzo isto porque ela carregava no cestinho um pacote de salsicha, seis pães de leite e um ketchup. Eu colocaria ainda um frasco de mostarda preta, tomara que ela tivesse em casa.

Bem, atrás desta comedora de salsichas, uma senhora com um frasco de xampu, desses para cabelos pintados e para domar a rebeldia de cachos. Senti um formigamento de excitação, custei a crer. Estava com sorte. Parei ali na 23 com meu saquinho de curry, assoviando refrões de Ivete Sangalo, feliz da vida.

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Quando o bip do caixa acusou a passagem do pacote de salsichas da primeira cliente da fila, a tia do xampu virou-se e berrou para o corredor:

– Benhê, pode vir!!

Olhei para o mesmo lado e, daquele ângulo, não consegui ver o cônjuge da senhora do xampu. Estava desaparecido atrás da montanha de compras: carvão, peru, guarda-sol, protetor solar e outras miudezas. Pela quantidade de itens, voltaria do Gravatá apenas em 2019. Novamente trêmulo, arquejante e com o suor a escorrer pela face, só enxerguei os contornos de sua cara (de pau) quando aquele contêiner de produtos estacionou diante de mim. Pelo menos teve a decência de pedir licença para roubar 27 minutos da minha vida.

O que me consola, a ponto de quase me levar às lágrimas, é que isto jamais aconteceu com vocês. Num país onde se bate panelas em nome da retidão de caráter, uma coisa assim é exceção. Estou certo disto.