Somos naturalmente receptivos a sugestões, sobretudo se elas nos alçam a um patamar convencionado maior do que o que nos encontramos. Já vi muito medíocre fazer coisas brilhantes graças ao estímulo de terceiros. Meu molho de tomate, por exemplo, só perdeu a acidez mórbida quando meus filhos atestaram, com os beiços tingidos de vermelho: “Pai, você é o melhor cozinheiro do mundo”. Como ensinou Cazuza, mentiras sinceras nos interessam. Sempre.

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Não faltam outros exemplos. Vejamos o Ricardo Oliveira. Insuflado pelo Dunga, imaginou-se capaz de ser atacante do Brasil, de vestir a 9 do Ronaldo, do Tostão. São por coisas assim, confusas, que as pessoas só usam a camisa da CBF diante da Polícia Federal, rogando pela queda do governo. No estádio, soa meio tolo.

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Por esta crença no autoconvencimento cínico, vi com estupefação uma turma de ativistas que, na contramão da bicho-grilice natureba, convocou um protesto contra as homeopatias. Trata-se de uma dissidência de hipocondríacos que, horrorizada com os resultados, destilou a ira contra as gotinhas. Como? Bebendo litros destes líquidos terapêuticos. “É tudo placebo”, diziam, com largos fios de homeopatia escorrendo pelo canto da boca.

Pôxa, não conheço as motivações subliminares destes sujeitos, talvez sejam apenas hipocondríacos magoados, mesmo. Mas, paranoico que sou, vejo aí um dedo do aparato mercantil que, desgraçadamente, move a medicina. Sorvendo do desespero de gente sedenta por curas milagrosas, que cabem numa pílula, houve quem passou a cooptar mentes de médicos com moral flexível ou muito sensível a exibicionismos dignos de coluna social.

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Vejo pelo Feicebúqui, esta autobiografia autorizada da cafonice reinante, uma multidão de jaleco cruzando o mundo em viagens nababescas, hospedando-se em suítes presidenciais, comendo em restaurante de chef que aparece em revista de celebridade, tudo às custas destes mercadores da saúde.

Soube de mulheres de médicos (adoraria ter encontrado um marido) vangloriando-se em salões de beleza com seis passaportes cobertos de carimbos financiados por terceiros. Não virei jornalista para policiar a conduta dos outros, mas, como paciente, me permito duvidar de médico que prescreve remédio vendido por quem paga suas viagens. Quem aceita um mimo desta magnitude, vende também a própria credibilidade.

É por estas e outras que a saúde virou uma questão de princípio moral. Quem adoece, força o outro a mentir.

Resta escolher quem: se o médico ou o homeopata.