Homens, sobretudo barrigudos e sedentários, fingem desconhecer a diferença entre estria e celulite. O domínio destes conceitos seria cativo de rapazes com interesse meramente funcional em meninas, ou seja, transformá-las em cabide para as roupas esvoaçantes que criam. Vejo aí uma manifestação insincera dos meus pares. Em rodas heterossexuais, se gasta muito latim em avaliações pormenorizadas da anatomia feminina. O Edmilson, meu parceiro do futebolzinho, abusou da crueza analítica e experimentou o maior constrangimento da vida.
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Era uma sexta-feira mormacenta. A semana se mostrara impiedosa na firma. A redenção depois de tanta mais-valia estava no bar. Lá, a cremosidade da espuma prenunciaria o chope levemente amargo que prenunciaria a reconciliação de Edmilson com a existência. Mas havia um porém: Edmilson nunca foi de arroubos existenciais solitários. A solidão à mesa do bar, discursa, rebaixa a mais suada tulipa de chope à condição de uma cidra adoçada de macumba. O chope só encontra sentido mais amplo se sorvido sob a testemunha de amigos.
Movido por esta convicção quase religiosa, Edmilson passou a tarde assediando para fins etílicos o Pablinho do almoxarifado. O Pablinho, trintão cordato, esteve em vias de inventar a morte da avó para se esquivar da insistência do colega. Só foi respeitado no seu desejo de não ir ao bar quando o Zequinha, estagiário do RH, topou ser testemunha do chope redentor do Edmilson.
O cara chegou estalando a língua no boteco. Escolheu uma mesa ao ar livre, na calçada, pois, como já informado, era uma sexta-feira mormacenta. O chope tem isto de sagrado profano. Ao mesmo tempo em que nos reconcilia com a existência, depois do terceiro ou quarto copos se presta a uma repetição mecânica sem propósito divinal aparente. Com a bexiga à beira do transbordamento, Edmilson soergueu-se rumo ao mictório mais próximo.
A visão estava turva, mas não a ponto de enganá-lo. Numa mesa perto do banheiro, divisou o Pablinho, aquele mesmo que alegara falta de disposição para ir ao bar. Ao lado do Pablinho, estava uma senhora não exatamente formosa. Havia cruzado a barreira dos 60 anos e seria possível afirmar, com reduzida chance de erro, que não mais dispunha de 32 dentes. A regata com petipoás expunha um sutiã frágil demais para os seios, que pendiam à cintura. Nos cabelos dela, cuja raiz grisalha avançava sobre o que restara da tintura de farmácia, Pablinho detinha-se num cafuné. Camuflado atrás de uma parede, Edmilson registrou a cena do celular e saiu pé por pé, sem ser visto. Na segunda-feira, Edmilson cercou-se de Pablinho, exultante.
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– Não queria ir ao bar, é? Quem é este aqui, cheio de amor com esta velha xexelenta, flácida, com a qual eu não acasalaria nem para nos salvar da extinção? – disse, mostrando o celular com empáfia.
– Cheguei em casa cansado, mas minha mulher estava triste, mas tão triste, que resolvi levá-la ao bar.
– !!!
Desde então, Edmilson faz como homens barrigudos e sedentários e finge não mais se atentar às imperfeições femininas.