A língua portuguesa tem a fama de ser macia. Um pouco por contingências anatômicas, porque se alicerça mais no nariz do que na garganta, encontrando tímpanos alheios sem maiores asperezas, outro tanto pela alma de seus falantes. Não caio na armadilha do brasileiro cordial, uma perversão deduzida por quem leu só a orelha da obra de Sérgio Buarque de Holanda. Somos um povo violento e agressivo, me alongarei nisto daqui a pouco. O que ocorre é que somos bons em dissimulação. Camuflamos nossos pensamentos mesquinhos em falsas intimidades, em diminutivos, metáforas, neologismos e demais tapinhas nas costas linguísticos. Talvez sejamos mais cínicos do que cordiais, mas esta é outra conversa.
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É por saber desse ardil que me espanto com a carga excessivamente pesada, normalmente relacionada a xingamentos, que o uso do idioma atribui a dois adjetivos: medíocre e idiota. Ora, como o próprio radical insinua, medíocre é todo aquele que está na média. Eu, por exemplo, sou orgulhosamente um cronista medíocre. Nem vivendo 85 vidas teria a pena de um Fernando Sabino, de um João do Rio, de um Antônio Maria. Mas, a julgar pelos textos que me chegam de todos os quadrantes digitais, em especial pelo uatizápi, me sinto um remediado escrevinhador. Sou um medíocre, na mais exata definição da palavra. E me sinto em extraordinária paz nesta posição.
O idiota, embora mais antipático que o medíocre, também reproduz uma característica essencialmente humana. Fia-se muito nas próprias ideias, aferra-se a suas certezas, tem dificuldade de esvaziar a si mesmo, enfim, o idiota pensa ser o oráculo portador de todas as verdades do mundo. São dotados de retumbante autoestima e amantes do que pensam e dizem, não necessariamente nesta ordem. Neste momento, quando me arrisco nesta conceituação, fico imaginando quem se vê em alguma indireta, outro canalhice reinante na rede. Sejam menos idiotas, vocês são infelizmente muitos.
Portanto, quando empregamos o adjetivo idiota como insulto, a rigor estamos apenas definindo uma condição clínica mental. A mim, me soa como xingar alguém de diabético, de albino, de míope. Os idiotas precisam de terapia, tratamento médico, alguma religião que os ensinem a enxergar o outro, jamais de ira.
Fiz estas considerações livres de qualquer embasamento científico porque acho que estes tempos de inclusão digital, quando qualquer um ocupa tribunas diante de uma plateia de inteligências e envergadura variáveis, passamos a nadar nas águas rasas do pensamento.
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A liturgia reinante nas redes sociais recomenda que, se você não concorda com a asneira dita, deve se recolher ao silêncio. Só são aceitas concordâncias, confetes e outras platitudes da unanimidade. Já vi gente vociferando contra a Dilma, contra o Aécio, e, quando um sujeito ousa retrucar, o idiota se sai dizendo que não gosta de polemizar no Feicebúqui. E ensaia ressentimentos, fazendo beicinho de ofendido.
Enfim, como prometido lá no primeiro parágrafo, chego ao ponto para afirmar que não temos nada de cordial. Somos, a julgar pelo comportamento nas redes sociais, uma nação de idiotas e medíocres. Idiotas porque não aceitamos visão em contrário, medíocres porque nossas certezas se resumem a reproduzir obviedades. Exercemos a agressividade, a intolerância, a violência verbal, com a condição de que o outro silencie.
Nenhuma dessas pretensões nasce do coração.