A cebola e o bode

Não sou muito fã de salada de cebola. Nada contra a acidez e a textura crocante. Pratos vivos são sempre comoventes. Só considero o ingrediente um tanto opressivo por se fazer lembrar horas e horas depois de mastigado. Comigo acontece até com as cebolas de Ituporanga e com o vinagrete aplicado à revelia nos “xizes” de Blumenau. Da Rua São Paulo à Itoupava Norte, passando pela Antonio da Veiga, não podemos relaxar. O vinagrete pode surgir como elemento surpresa.

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Apesar da postura defensiva diante da salada, não escondo o contentamento sempre que vejo minha mãe à beira da mesa, equilibrando uma travessa de cebolas cruas em rodelas. Nem eu, tampouco meus irmãos. Nesses momentos, hoje infelizmente cada vez mais raros, nós três prendemos a respiração e aguardamos um diálogo que há 30 e poucos anos não se altera em uma vírgula sequer.

– Minha velha, vamos namorar hoje? – indaga meu pai, galanteador.

– Quem sabe… – despista minha mãe, fazendo-se de difícil.

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– Bem, na dúvida, sirvo-me de cebola – arremata ele, enquanto já tempera a salada no próprio prato.

Discretos, jamais nos disseram se o hálito atrapalhou algum plano a dois. Só sei que meu pai nunca comeu salada de cebola sem contar a mesma, sendo generoso com meu velho, piada.

Outro clichê patrocinado por meu pai é a teoria do bode, revelada a quem chega se lamentando demais. A parábola é mais ou menos assim: um sujeito, às voltas com dívidas e com a infidelidade da mulher, cogita dar cabo da própria vida, bebendo quantidades industriais de cerveja barata. Como último recurso, é aconselhado a amarrar um bode no pátio de casa. Incomodado diariamente pelo balido estridente e pelo cheiro de fezes, se livra do animal e passa a achar a vida uma dádiva, mesmo ainda sendo devedor e marido traído.

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Folheando o Santa, lembrei da máxima do bode ao passar os olhos pela pesquisa do Projeto Focus, que se meteu na corajosa missão de medir a felicidade do blumenauense. Salvo olhar apressado, não pude deixar de notar que o trabalho, entenda-se atual emprego, gera tanta satisfação como a família e, pasmem, as amizades.

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Considero este último resultado surpreendente porque, com relação à família, por vezes nos sujeitamos à companhia de primos e agregados com quem não conseguimos travar uma conversa que vá além das condições meteorológicas. Mas amizades, em tese, são escolhidas. Empregos, nem sempre.

Pois acho que a crise econômica é o bode do detentor de carteira assinada, tanto na Alemanha Sem Passaporte quanto no Brasil. O assalariado clássico reclama do refeitório, do chefe, bufa de vez em quando, se mantém mais atento a direitos do que deveres. Se está feliz, bem, é porque o mercado está ali, balindo como um bode, ardendo na boca como uma salada de cebola.