Junto letras aqui no Santa não só para assegurar o leite dos meninos. Encontro neste espaço um manancial de afeto, onde bebo sem moderação. Em quase 12 anos de convívio semanal, colhi tanto carinho que, liquefeito, não caberia no leito do Itajaí-Açu. Talvez por estar mal acostumado com esta tradição de bem-querer, lembro bem da minha tristeza na manhã de 24 de fevereiro de 2010.
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Naquela distante quarta-feira, circulava na penúltima página do jornal um texto assinado por mim, intitulado “Bolsa-Cobrador”. Foi uma escolha “intiquenta”, como diria o saudoso Horácio Braun. Mas penso que justificada para repercutir um cálculo do então presidente do Seterb, Rudolf Clebsch. Disse ele, numa palestra a diretores da Acib no comecinho de 2010: “se as três concessionárias demitissem os cerca de 400 cobradores hoje sustentados pelo sistema, a passagem cairia R$ 0,40.”
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Embora todo cidadão capaz de raciocínio lógico tenha obrigação de desconfiar das promessas da autarquia, visto que, àquela época, a cassação de milhares de gratuidades não impediu o preço da passagem de ônibus de seguir seu curso inexorável rumo à estratosfera, vi alguma lucidez na proposta do Clebsch.
Usuário esporádico do transporte coletivo, ficava aflito com o papel da categoria com o advento da bilhetagem eletrônica. Sempre que roçava meus créditos no leitor da catraca, percebia o cobrador olhando o vazio, sacolejando sob a hedionda trilha sonora comandada pelo motorista. Diante do ócio remunerado explícito, indaguei se o blumenauense concordava em continuar pagamento esta conta.
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Foi o estopim para uma torrente de xingamentos e ofensas, algumas pessoais, que contrastava com o carinho costumeiro das respostas à minha coluna. Não cheguei a ser ameaçado de agressão física, mas, por dias a fio, caminhava pela cidade olhando de soslaio, meio paranoico. Foi ruim para todos nós. Volto a tocar no assunto, e me questiono se por coragem ou covardia.
A distância da cidade sem ônibus me protege. Tenho lido que o prefeito Napoleão Bernardes, num gesto por demais humano, tem se empenhado em tranquilizar os 1,3 mil trabalhadores do sistema, sinalizando com a absorção de todos pelo novo prestador do serviço. Sou um assalariado, me coloco no lugar deles, e me compadeço.
Por outro lado, o mesmo mercado capaz da crueldade de matar uma profissão cria outras tantas, novas e mais desafiadoras. Antigos operários de fábricas de máquinas de escrever não me deixam mentir. Nós, jornalistas, também teremos de, no mínimo, reinterpretar nosso ofício. Só o populismo de cunho eleitoral não assegura a sobrevivência de uma profissão.
Neste caos, surgiu uma oportunidade de rediscutirmos o bolsa-cobrador, com transparência e responsabilidade social. Até porque transferir um sistema artificialmente inchado para outro não resolve o problema. Apenas muda o endereço.
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