Tenho rareado as visitas ao cabeleireiro. Neste ano que há pouco se foi sem deixar saudade, apesar das malcriações já patrocinadas por 2017, foram cinco aparições no salão. É um lugar bacana, destes onde, além da tosa cuidadosamente esculpida por sujeitos barbudos e de braços cobertos por tatuagens, é possível comprar cerveja com notas de caramelo e até moto falsamente vintage. Não merece meu afastamento assim, tão dramático.
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Promovo um esforço de certa forma leviano para que estas ausências sejam interpretadas como estratégia para o cultivo de cachos. Deixo o cabelo se avolumar logo acima das orelhas e só volto à tesoura quando, ao me olhar no espelho pela manhã, me ocorre o Bozo, aquele palhaço do SBT. Este fenômeno, levando em conta a atual fertilidade do meu couro cabeludo, se completa em ciclos de três meses.
Pode soar investimento no estilo circense de se pentear, mas a verdade, incontrolável como fios compridos ao vento, é que tenho evitado o salão por razões estritamente psicológicas. Desenvolvi uma fobia pelo espelho empunhado pelo cabeleireiro ao fim do trabalho, para permitir a inspeção do corte. É neste instante comezinho para alguém em busca de aprovação profissional que me defronto com a mais eloquente manifestação de decadência física. Uma verdade implacável se revela.
Bem no meio do crânio, epicentro de um antigo redemoinho de cabeleira hirsuta, uma calvície de padre amplia o diâmetro de forma despudorada a cada nova visita ao cabeleireiro hipster. Não se trata de um processo recente, este. Quase uma década atrás, joguei o pescoço para trás e, acidentalmente, toquei uma parede gelada pelo inverno do Sul. O calafrio que senti por encostar uma pele nua foi muito mais pungente do que a dor do choque involuntário contra o concreto. Eram os primeiros fios desertores, que já me expunham às intempéries do clima e do juízo alheio.
Aliás, a calvície que me assalta tem um quê de crueldade justamente por permitir ser contemplada às minhas costas. Se ainda fosse daquelas que avançam testa acima, meu raio de visão poderia intimidar maledicências em tempo real. Mas, do jeito que se instalou, sinto-me miseravelmente apunhalado. E revivo o dilema do cronista Antonio Prata, filho do Mario (sim, aquele), que decidiu tomar comprimidos para combater a queda de cabelo a despeito do risco de impotência como efeito colateral. Para Prata, melhor um constrangimento privado do que um público. Achei sábio e invejo-o a coragem.
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Mas entre os escombros de uma tragédia há consolos a serem resgatados. A ascensão da minha careca, por exemplo, não arranha minha reputação no Feicebúqui. Discreta, se avoluma longe do ângulo capturado pelas selfies, de modo que, publicamente, sigo visto como um sujeito cabeludo e sorridente. Poderia ser pior, pois.
Talvez agora, neste 2017, eu precise visitar mais o barbeiro barbudo e tatuado. Não só pela manutenção da imagem de asseio, tão valorizada nas relações cosméticas, mas pela metáfora didática que me é ofertada cada vez que me defronto com o espelhinho fatídico ao final do corte.
A grandeza de um problema está mais na nossa cabeça do que do lado de fora.