Já citei aqui esta oração do Eduardo Galeano, eu sei. Peço perdão, sou homem de poucas leituras. Ademais, o uruguaio é destes escritores que, graças à capacidade de dizer coisas profundas em meia dúzia de palavras, circula febrilmente no meio digital, tendo as frases acompanhadas de uma fotinho com aquele olhar circunspecto. As pessoas leem e suspiram.

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Pois assumo o risco de parecer repetitivo ou ser tratado como um sujeito cujo repertório emana dos memes, e não dos livros, mas, numa aplicação torta da sabedoria contida na frase, não silenciarei Galeano. Diz ele:

– Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar.

Muito se fala na falta de dinheiro, na falta de segurança, na falta de tolerância. É verdade, há uma escassez de tudo isto no mercado da vida. Mas nenhum estoque atingiu níveis tão preocupantes quanto o de silêncio. Não enxergo viabilidade num diálogo sem hiatos de reflexão, sem um espaço de tempo para a fermentação das palavras. A quietude é a levedura das ideias.

A ânsia de tagarelar me parece uma estratégia para fabricar a surdez conveniente. A palavra cria sombras onde nos escondemos. Enquanto falamos, não precisamos ouvir o outro que, às vezes, desgraçadamente, é portador de verdades incômodas sobre nós mesmos ou sobre o nosso jeito de ver o mundo. Antigamente, fazíamos isto na cozinha, enquanto passávamos o café, ou nos almoços dominicais. Hoje, transferimos este comportamento verborrágico com fins de isolamento para as redes sociais.

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Por favor, não pensem que venho destilar amargura contra a modernidade. Se há algo que a humanidade tem de sobra são os críticos do óbvio. Quando me pego irritado com banalidades, recorro ao ensinamento de Galeano: calo e espero. Meu ponto é contra a sandice de um mundo onde ouvir virou generosidade. Ok, depois que honestidade virou nota de destaque em curriculum vitae, não deveria me surpreender. Mas tenho minhas ingenuidades de estimação.

Enquanto me embrenho nesta reflexão, impossível não me lembrar de um amigo paulistano, o Cesar Cruz. É um contista de mancheia, com três livros publicados. Procurem conhecê-lo. Cruz é uma das pessoas com quem mais converso, embora, paradoxalmente, só o veja uma vez por ano e olhe lá.

Nossa amizade não está alicerçada apenas nas afinidades existenciais de quarentões, que, aliás, encontram hiatos no fato de o Cruz, diferentemente de mim, não curtir futebol e jamais ter sido comunista. Construímos um vínculo sólido pela capacidade de ouvir um o outro.

Traçamos conversas que duram dias, às vezes semanas. Só não configura um caso clínico de distúrbio obsessivo porque, entre uma frase e outra, há dezenas de horas de silêncio. Papeamos por intermédio de áudios de uatizápi. O Cruz, meio por generosidade, meio pelo olhar sagaz sobre as esquisitices da raça, certa vez me agradeceu.

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– Quando converso contigo, me dispenso de ficar concentrado no que vou dizer quando você devolver a palavra. Nossa amizade me fez melhor ouvinte.

É o que desejo a todos nestes tempos de insuficiência de silêncio: que conversemos como quem troca áudios por uatizápi. Leve horas, dias, semanas, mas jamais diga algo por dizer ou porque não quer escutar.