Nestes dias conturbados da vida política brasileira, lembrei-me de um dos episódios mais dramáticos da história recente dos Estados Unidos: o escândalo de Watergate, que culminou com a renúncia de Richard Nixon. Sugiro que procurem no Youtube os vídeos da sessão do Congresso americano em que se julgou a admissibilidade do impeachment do presidente. O clima era de velório. O semblante dos parlamentares – sobretudo entre os adversários de Nixon – expressava absoluta consternação. Muitos relatam que, terminada a sessão, ligaram para casa e choraram ao telefone. Inevitável comparar tal reação com a dos deputados brasileiros na deposição de Dilma Rousseff. Atos dessa natureza exigem compostura. Têm que ser encarados como um dever triste, nunca com a alegria maníaca que se viu por aqui.
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O clima tenebroso daqueles dias permanece vivo até hoje. Na última quarta, assistimos a mais um ato da tragédia: o depoimento de Lula. É certo que o juiz Sergio Moro tratou o ex-presidente com respeito e urbanidade. Mas, fora do tribunal, partidários e detratores do PT se enfrentavam como se vivessem a véspera do fim do mundo.
Na esperança de que reencontremos a razão, proponho a seguir alguns tópicos para reflexão. Peço que leiam o texto até o fim antes de emitirem um juízo definitivo sobre o que digo.
1. Há um interesse indisfarçável em condenar Lula a qualquer preço. A obsessão do juiz e dos procuradores por ele, e só por ele, desmoraliza a acusação e desmoralizará uma eventual sentença condenatória.
2. Os elementos reunidos contra o ex-presidente referem-se a cifras e assuntos que não correspondem minimamente à tese do “chefão da quadrilha”. Prevalece uma gigantesca desproporção entre as expectativas criadas pela acusação _ prender um gangster _ e a natureza dos crimes que se tenta imputar a Lula. A sensação é a de que se construiu uma imensa e custosa armadilha para capturar uma mosca.
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3. A peça acusatória é problemática: os procuradores não conseguem ir além de testemunhos (vários colhidos depois de longos períodos de prisão) ou evidências indiretas.
4. Há motivos para crer que Lula de fato pretendeu cometer certas ilicitudes. Mas a prova definitiva não surgiu. De resto, tencionar cometer um crime não é cometê-lo.
5. Há motivos para crer que Lula chegou a cometer outros crimes apontados, mas, de novo, não se demonstrou isso cabalmente.
6. É um absurdo imaginar que Moro e os procuradores estejam a serviço da CIA, dos tucanos ou de quem quer que seja. Penso que são mais bem descritos como homens comuns submetidos a circunstâncias incomuns. Não são muito diferentes de personagens que vemos diariamente no Facebook: conservadores empedernidos, relativamente ignorantes e mal formados. Pessoas mais ou menos imaturas, ainda que bem intencionadas. Indivíduos ideologicamente intoxicados.
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7. Agora, algumas palavras sobre Lula e apoiadores. Para começar, a mistificação que se cria em torno de sua figura e de seu governo é descabida. Nada como uma reforma importante do país aconteceu no período petista. Os avanços sociais são muito menores e bem mais frágeis do que se alardeia.
8. O PT participou de esquemas ilícitos de arrecadação. Eles envolvem caixa 2, mas também enriquecimento de pessoas físicas.
9. Lula é permissivo e se aproximou perigosamente de uma elite moralmente duvidosa. Aí está para demonstrá-lo a viagem feita ontem a Curitiba no jatinho de um megaempresário citado no mensalão tucano.
10. O quanto Lula se beneficiou pessoalmente de relações perigosas está para ser completamente revelado. Mas colocar a mão no fogo por ele é um ato de fé, não de razão. Juridicamente, o ex-presidente ainda está protegido pela presunção de inocência. Contudo, é uma temeridade concluir daí que ele é de fato inocente. Meu palpite, já que todo mundo tem um: Lula é uma pessoa muito mais medíocre do que, para o bem ou para o mal, se imagina. É, ele também, um homem comum submetido a circunstâncias incomuns.
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