Em um enorme telão de Time Capsule, uma videoinstalação com painéis múltiplos apresentada recentemente em Moscou, uma mulher sedutora à la Garbo, já longe de sua juventude, descansa em uma cadeira, enquanto um atencioso mordomo segura uma máscara de oxigênio em seu rosto.
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A imagem está entre as dez expostas no Garage Center for Contemporary Culture que mostram a personagem, vivida pela atriz e modelo Amber Valletta, envelhecendo a intervalos assustadores, dos 20 aos 110 anos de idade. Os espectadores, incluindo Naomi Campbell, coberta até os tornozelos com roupas de pele clara, devem ter ficado confusos. Será que essa criatura cansada do mundo estava sugando oxigênio para melhorar sua aparência? Ou será que ela estava à procura de algum tipo louco de onda farmacêutica?
Steven Klein, o fotógrafo e autor desse espetáculo vagamente sinistro, não estava disposto a acabar com o mistério. Ele disse apenas:
– Eu gosto do que é obscuro.
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Claro.
Afinal de contas, há tempos que Klein é um enigma no mundo da moda, cultivando uma mística parecida com a de uma esfinge, escondendo-se à vista de todos. Não é à toa que seu autorretrato foi iluminado por trás, para esconder suas feições. No entanto, ele não guarda segredos sobre seu uso de efeitos chocantes. Sobre a máscara de oxigênio que Valletta usou, ele disse:
– Eu a coloquei lá para perturbar as pessoas.
Ele estava discutindo seu trabalho em seu estúdio minimalista em Chelsea, onde guarda seus arquivos digitais, a coleção pervertida de fotografias de moda e retratos de celebridades que garantiram sua reputação como fotógrafo classe A de celebridades classe A, e um dos provocadores mais astutos do mundo da moda.
Durante a rara entrevista que ele concedeu algumas semanas antes da abertura da instalação em Moscou, Klein foi quase completamente fiel ao personagem rígido que transforma modelos em “fembots” em seus ensaios para a Vogue, e que convenceu ícones da cultura pop, como Brat Pitt e Madonna, a se contorcerem para a sua câmera.
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Em boa forma sob a camiseta branca, e exibindo uma coroa de cachos, Klein é irritantemente sedutor _ um onívoro sexual, suspeito. Sentada à sua frente, sinto-me atraída para dentro de uma bolha hermética, enquanto o resto do ambiente desaparece. Ele exerce um certo charme de Pã, perguntando mais do que respondendo. “Quem são seus fotógrafos preferidos?”, ele pergunta. “Você já viu A Árvore da Vida’? (Ele diz que o filme, um exercício místico de Terrence Malick, o afetou profundamente.)
Ele fala sobre sua interação com as pessoas que fotografa, um tipo de parceria na qual Klein é o acionista majoritário, e confessa que, como fotógrafo, é um tipo de “perseguidor”.
Ele lembra que, quando jovem, se apaixonou por uma colega de escola um pouco mais velha. Segundo ele, com sua pele escura e olhos cor de ameixa, “ela representava a beleza perfeita”. Quando ela não correspondeu à sua paixão, ele passou a persegui-la mesmo assim, “seguindo-a com a minha câmera”.
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Até hoje, ele se sente mais confortável atrás da câmera, com a qual persegue seus personagens com uma mistura de curiosidade e pavor.
– Eu gosto deles e tenho medo deles, realmente tenho medo – ele disse, correndo os dedos distraidamente sobre a mesa. – Mas, ao mesmo tempo, eu os desejo.
Ele transportou algumas dessas emoções misturadas para a exposição da “Time Capsule”, em Moscou. Organizada por Dasha Zhukova, a badalada empresária de arte russa, a instalação com painéis de 2,7 m x 4,9 m foi montada em um círculo acima dos espectadores.
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Muitos convidados ficaram maravilhados.
– Quando se está no centro do círculo – disse Maria Pertsova, uma jovem contadora – é como se você estivesse no centro da vida da personagem.
Algumas pessoas estavam vendo a exposição pela segunda vez. Ela estreou em Nova York em setembro, no Park Avenue Armory, em um salão cavernoso, iluminado apenas pelos telões acima. Alguns visitantes ficaram impressionados, mas outros responderam de maneira mais fria.
– Envelhecer acontece – disse Carine Roitfeld, antiga editora de Vogue francesa. – É a realidade, infelizmente.
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Roitfeld com certeza estava ciente de que, ao levantar a questão do declínio humano, Klein estava alfinetando o mais temido tabu do mundo da moda.
– Mostrar o envelhecimento é sempre perturbador – disse Stefano Tonchi, editor da revista W e antigo editor da T: The New York Times Style Magazine, que encomendou o projeto em vídeo e publicou os stills das filmagens na edição de setembro da W.
Tonchi sugeriu que exibir os efeitos corrosivos do tempo é algo especialmente enervante para o público ligado ao mundo da moda, que costuma considerar a velhice como algo que pode ser adiado eternamente.
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– Steven certamente tocou em um ponto delicado – ele disse.
Klein disse que seu trabalho é colaborativo, mas as pessoas que fotografa se tornam como barro em suas mãos, contorcendo-se em formas distorcidas para se encaixar em suas visões inquietantes.
– Ele costuma ir mais longe do que qualquer um de seus contemporâneos – disse Vince Aletti, curador de Weird Beauty: Fashion Photography Now, uma exposição apresentada no International Center of Photography em 2009, que contava com muitas fotos de Klein. Ainda segundo Aletti, sua obra, que o coloca entre os poucos fotógrafos de elite mundial dos Estados Unidos, é uma “expressão de sua visão genuinamente sombria”.
A realidade é que Klein vem expressando essa visão há décadas. Ele pegou a câmera pela primeira vez na Rhode Island School of Design, onde, como estudante de arte em meados dos anos 1970, começou a explorar seus temas perturbadoramente violentos, extremamente eróticos e, segundo alguns, profanos. Sua reputação se baseia em parte em imagens preternaturais e polidas, que devem muito a Helmut Newton, cujas modelos eram muitas vezes presas em próteses, tão animadas quanto bonecas infláveis. Os retratos de celebridades de Klein são mais sexys, de uma maneira meio artificial.
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Em um ensaio para a W em 2003, Madonna contorceu-se em uma série de poses de ioga. No mesmo ano, em um portfolio para a revista Dutch, Brad Pitt foi fotografado ajoelhado e com o tronco nu, sendo algemado brutalmente pela polícia.
Klein também gosta de fotografar a natureza livre, como ele fez, de maneira impressionante, em uma série de fotos de cavalos no ato de acasalamento, tiradas em seu haras, em Bridgehampton, Nova York.
Mesmo assim, ele insiste, seguindo um dos espectadores com seus olhos azuis e gélidos: “Não vejo homens e mulheres como objetos sexuais. Eu me mantenho fora dessa questão.”
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Ele parece adorar provocar os autointitulados guardiões da decência pública. Em Alejandro, seu vídeo de 2010, realizado em colaboração com Lady Gaga, ela veste um falo pintado de vermelho, simula sexo com seus dançarinos e ingere um rosário. A pornografia, o “crossdressing”, a nudez e a sanguinolência integram seu arsenal subversivo.
Outro elemento presente é o tom frio de desprendimento.
Suas modelos costumam parecer impenetráveis, até mesmo de outro mundo, um efeito que ele aumenta passando óleo na pele delas; incorporando máscaras, correias, grampos e até mesmo lábios escarlate absurdamente falsos; depois fotografando-as em cenários tão imaculados e alienantes quanto uma clínica cirúrgica.
Segundo Klein, a qualidade plástica e robótica de suas fotos é, de certa forma, um comentário sobre os aspectos desumanizantes da manipulação digital, que tem, “cada vez mais, afastado a sensação de pele contra pele”.
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No entanto, o processo digital serve paradoxalmente aos seus objetivos.
– Gosto de mostrar meus modelos dentro de uma capa selada -, ele disse. – Há uma sensação de que é impossível entrar.
Em uma foto de um jovem deitado nu, com a garganta cortada, Klein parece sugerir que alguém que vá longe demais tentando entrar naquele espaço poderá se arrepender. “Eu estava tentando criar uma abertura na pele, que nos permitisse ver seu interior”, ele disse, de forma prática. O escritor e curador Neville Wakefield apresentou uma visão mais fatídica:
– Ele literalmente cava para expor, de certa forma, a fera interior.
Embora essa noção possa parecer assustadora, ela não é muito mais inquietante que Time Capsule, que documenta a transformação de Valletta em sacerdotisa e bruxa. Klein não é o primeiro a se aventurar nesse terreno desconhecido. Modelos se aproximando do ocaso da vida já foram retratadas de maneiras variadas, e glamourizadas, em publicações como a Vogue, a Harper’s Bazaar, e em revistas especializadas, como a V.
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Roitfeld testou a tolerância dos leitores durante seu período na Vogue francesa. Ela convidou Tom Ford para editar a edição de dezembro de 2010, e atraiu críticas ao publicar fotos de Ford, mostrando um casal idoso elegante e engrinaldado com diamantes se agarrando de maneira voluptuosa.
Mas Klein talvez seja o primeiro fotógrafo a tratar o envelhecimento de maneira lírica, injetando de vez em quando um elemento grotesco. Há um macabro momento Crepúsculo dos Deuses no vídeo, no qual um jovem com roupa de gala beija o rosto desgastado de Valletta. Ela desvia o olhar _ com vergonha ou autodesprezo?
Klein dá de ombros. Segundo ele, o objetivo do projeto não era tanto examinar os efeitos destrutivos do tempo sobre a beleza, “mas explorar o tempo em si”. Seu objetivo era demonstrar que a vida é cíclica: passado, presente e futuro, se desdobrando de maneira simultânea. No último frame, Valletta, vestida como se estivesse indo pra um encontro sadomasoquista doentio, encara o nada. Atrás dela, um jovem segura um bebê. Será a criança uma versão reencarnada da própria Valletta?
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Klein não quis explicar, ou talvez não conseguiu.
– Acho que o que acontece é que primeiro você monta o projeto, e depois tenta entender do que se trata – ele disse. – Anos depois, você acaba descobrindo porque fez aquilo.”