Desde que deixou Joinville, aos 19 anos, em um ônibus em direção a Curitiba para estudar, Juarez Machado já sabia que um dia voltaria para instalar parte do legado conquistado em sua cidade natal. Esta promessa, feita a si mesmo quando ele nem podia ter certeza de que ganharia o mundo por meio da arte, começou a ser cumprida em novembro de 2014, quando inaugurou o Instituto Internacional Juarez Machado, e se completa neste sábado, quando abre ao público um novo pavilhão em seu centro de artes.

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A novidade chega com festa um dia depois do aniversário de 77 anos do artista e, como festa para ele tem que ter arte, é com uma nova exposição que ele recepciona os convidados. 'Dos 11 aos 77' marca a trajetória que o levou a se transformar de uma criança "diferente" a um talento precoce e, posteriormente, em um artista para, finalmente, se tornar o Juarez Machado. Nela, é possível encontrar o primeiro quadro pintado a óleo quando ele tinha apenas 11 anos – um livro, sobre o qual foi depositado um par de óculos, iluminados por um abajur – em uma obra quase sisuda para o que viria depois, quando o domínio da técnica o permitiria liberar o pincel e a criatividade para reencontrar a travessura da infância. Assim nasceram alguns dos trabalhos mais recentes, expostos no piso térreo do pavilhão: a coleção dos sacos de vômito, delicadamente retirados de aviões e ilustrados, em uma exposição meio escatológica em que diferentes personagens regurgitam os traços mais marcantes da cultura de cada país. Ele aposta, aliás, que será a parte preferida dos visitantes mais jovens.

— Não fiz o instituto para me exibir, eu fiz para provocar as crianças. Eu não cresci com Walt Disney, eu cresci as histórias do Wilhem Busch. Nelas, as crianças eram cruéis, eram do mal. E a criança é assim mesmo. O adulto também, mas se contêm para não demonstrar — analisa ele, com a eloquência de quem, na infância, escandalizava a mãe ao criar exposições de animais mortos nas paredes do quarto.

Observar as cerca de 80 obras da nova exposição de Juarez é como olhar um álbum de fotos. Elas representam momentos da vida dele e é perceptível perceber o passar das décadas, nos movimentos artísticos e nas experiências do artista. A morte do pai aparece como um viajante que espera um trem que nunca chegará; a mudança para o Rio de Janeiro está nas telas que mostram a praia de Ipanema no início dos anos 1970; e sua transformação em cidadão do mundo está nas inúmeras obras que retratam países da Europa, em especial aquele que ele chama da casa, a França, para onde se mudou há 30 anos.

Nas telas, é possível também ver estórias transbordando. "O artista é um narrativista", escreve o crítico de arte Walter Queiróz Guerreiro sobre 'Dos 11 aos 70', "a exposição é um diário sobre arte e como fazer arte".

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— Eu tenho prazer em pintar e contar histórias, não faço telas só para enfeitar paredes — explica Juarez.

Espaço cultural se transformou em roteiro turístico para as artes

Diferentemente da primeira etapa de construção do espaço cultural, viabilizado em parte por patrocínios via Lei Rouanet, o novo anexo foi feito totalmente com recursos próprios. Para ampliar a sede do Instituto Juarez Machado, em um investimento de R$ 1,5 milhão, Juarez Machado abriu mão de uma propriedade em Florianópolis para que pudesse adquirir o imóvel ao lado da antiga casa da família, na rua Lages. Ali, demoliu a casa para levantar o novo pavilhão, que abriga, em seus 450 m2, o espaço expositivo, uma cafeteria, uma biblioteca de artes, o acervo técnico e um boutique com produtos temáticos e obras de arte.

— Juarez não queria mostrar um projeto a empresários, ele queria ter algo concreto e que, a partir daí, as pessoas entendessem que Joinville tem potencial para cultura se houver investimento — conta Melina Mosimann, mulher do artista e diretora administrativa do Instituto.

Desde sua abertura, em 2014, o local já havia se tornado o ponto turístico que Juarez Machado esperava que se tornasse. Ele foi motivado ao saber que as pessoas que viajam para Joinville iam conhecer a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, no prédio do Centreventos Cau Hansen, e não apenas os museus e áreas de lazer. Mas, segundo Melina, nestes três anos os turistas que chegavam ao instituto sempre esperavam encontrar obras do artista que dá nome ao local e, por vezes, tinham a expectativa frustrada, já que o anexo não era exclusivo para os trabalhos dele.

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— Eu queria fazer um espaço para as artes. No início, havia pensado só em mim, quase como um 'Museu Juarez Machado'. Mas achei meio arrogante e egoísta, então decidi fazer uma exposição por ano e convidar outros artistas para os outros períodos. E aí a exposição anual virou muito pouco — afirma Juarez.

Ele mesmo projetou o pavilhão, um irmão gêmeo maior que o pavilhão anterior e que é uma homenagem à história e à cultura de Joinville. Por isso, há detalhes em enxaimel na parte externa e a estrutura remete às fábricas de tecidos, com o telhado inclinado e grandes janelas no piso superior.

Muito mais para criar

Não adianta, e isso Juarez avisa aos amigos, convidá-lo para ir ao cinema, a um passeio de barco e nem mesmo jantares. Nada que tome muito tempo na agenda já programada para atender a rotina de produção intensa do joinvilense. Mesmo depois de produzir mais de 15 mil telas – cerca de 1/3 delas estão guardadas com ele, as outras estão em paredes pelo mundo -, além de esculturas e ilustrações, ele afirma ainda ter muito a criar.

— Sou um neurótico disciplinado. Estou cada vez mais egoísta com meu tempo. Não tenho mais tempo para desperdiçar — avalia.

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A exposição deve permanecer por um ano no Instituto Juarez Machado. Depois, o artista fará recortes com outras obras, como paisagens e eróticos; e outras criações, como fotografias; que são inéditas ou pouco conhecidas da maior parte do público.

O próximo passo é garantir a digitalização do acervo do artista joinvilense para garantir acesso a quem não pode vir a Joinville. Uma galeria virtual está sendo planejada, como forma de organizar a produção de uma vida inteira.

— Há estudantes de artes que procuram o Instituto para fazer pesquisas e poderão utilizar esta galeria virtual. É, um jeito de preservar esta memória — diz Melina.

Em breve, será lançada uma nova coleção de livros-imagem de autoria de Juarez Machado. Ele, que foi precursor do estilo no Brasil, produziu quatro livros com ilustrações inspiradas em canções de Chico Buarque. Pensada para ser usada pelas escolas, a coleção deve ser enviada para todo o Brasil, mas a editora ainda está definindo a forma com a qual ela será trabalhada. Um destino, no entanto, já é certo: assim que estiver pronta, poderá ser encontrada em Joinville.

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