A casa própria sempre esteve nos sonhos de Marcelo*. Pai de dois filhos, ele buscava um espaço maior para que pudesse criar as crianças com mais aconchego. Por isso, quando o namorado de uma amiga da esposa falou sobre a possibilidade de dobrar o capital com investimentos em criptomoedas, viu ali uma oportunidade em poder comprar o imóvel, mesmo com as desconfianças iniciais.
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— Ele me falou sobre as indicações de investimento em pares de criptomoedas com um retorno exponencial. Disse que estava há meses e triplicou o capital dele. De início, questionei qual era a cripto e vi que ela existia realmente. Ele me mostrou saldos, extratos e ainda comentou que conheceu pessoalmente vários líderes — relembra.
Marcelo, então, resolveu investir R$ 4 mil no esquema. Quase um mês após a aplicação, ele tentou sacar o dinheiro, mas não conseguiu. Em contato com uma corretora de criptomoedas, informaram que o erro estava na empresa responsável pela transação. Além dele, outras pessoas também apresentavam o mesmo problema. Em contato com a investidora, esta alegou que passava por uma auditoria e que no final “todos teriam seus saldos dobrados”.
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No entanto, o dinheiro nunca apareceu. Após muitas reclamações, a empresa chegou a criar uma campanha de cashback, além dos líderes insistirem para que os clientes indicassem novos investidores. Marcelo tentou contato com a corretora, que orientou que ele entrasse em contato com o banco para tentar o estorno. Foi nesse momento que ele percebeu o golpe.
— Tentei desesperadamente, de todas as formas diferentes, contato com bancos e instituições financeiras como uma maneira de reaver o meu dinheiro. Um dinheiro que levei um tempo pra juntar — pontua.
Marcelo faz parte de uma estatística que explodiu nos últimos anos em Santa Catarina. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública neste mês, apontam que mais de 64 mil casos foram registrados no Estado em 2022 — um crescimento de 49,45% em comparação com 2021, quando foram registradas 42.976 denúncias.
Os números fazem com que Santa Catarina seja a recordista desse tipo de crime. Segundo o anuário, o Estado concentrou 32% dos registros no ano passado. Em todo o Brasil, foram 200.322 denúncias. Outro exemplo é que Minas Gerais, que aparece em 2º lugar no ranking nacional teve aproximadamente metade dos casos do estado catarinense, com 35.749 denúncias no ano passado.
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Uma situação que traz prejuízos que vão muito além do financeiro, mas também para a autoestima da vítima.
— Me senti bem derrotado por não ter percebido que se tratava de um golpe. Em nenhum momento deixaram qualquer nuance que pudesse transparecer se tratar de um golpe — pontua.

Pandemia e modernização no esquema
O crescimento no número de crimes virtuais tem gerado um alerta para as forças de segurança. Segundo especialistas, um dos fatores que facilitou a ação de criminosos foi a pandemia da Covid-19. Com as pessoas isoladas, as organizações criaram mecanismos para atingir as potenciais vítimas e a internet surgiu como um facilitador.
— Onde as pessoas estão agora? Estão na internet, no telefone, no computador a maior parte do tempo. Então eles [criminosos] estão aplicando [golpes] neste sentido, cada vez modernizando mais, de forma mais inteligente, de modo que deixam as pessoas mais vulneráveis — afirma o especialista em Direito Criminal, Guilherme Silva Araújo.
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O doutor em Comunicação e Linguagens, Moisés Cardoso, complementa que os próprios golpistas passaram por um letramento digital, o que possibilitou o aprimoramento das práticas.
— Quando eu tenho o isolamento das pessoas, esse suspeito se qualificou, e o que temos hoje é uma segmentação desse mercado, de quadrilhas muito bem especializadas. Parece que é um cara sozinho trabalhando, mas não é assim que funciona — pontua.
Além disso, os golpes na internet não se limitam ao de investimentos em criptomoedas, como no caso de Marcelo. Eles ocorrem com diferentes abordagens e atingindo os mais diferentes públicos.
— Em relação ao golpe do “falso leilão”, por exemplo, não há uma vítima predeterminada, pois os criminosos entram em contato com ela após o preenchimento de dados em ambiente virtual. Já em relação ao golpe da “falsa central do banco” os golpistas buscam vítimas idosas, que geralmente são mais vulneráveis. Já o golpe do “falso parente”, praticado pelo WhatsApp, alcança qualquer idade — explica o delegado Paulo Hakin, da Delegacia de Estelionatos da Grande Florianópolis.
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Foi o que aconteceu com Darcio Francisco Borges, de 63 anos. O servidor público recebeu uma mensagem, por meio de um aplicativo, de um número desconhecido alegando ser uma de suas filhas. No texto, a suposta garota contou que havia quebrado o celular ao deixá-lo cair. Ele, então, orientou que levasse o aparelho até o conserto e, caso fosse necessário, a ajudaria com algum valor.
No dia seguinte, a “filha” entrou novamente em contato com o pai pedindo R$ 9 mil para arrumar o aparelho, o que causou a desconfiança.
— Na mensagem, ela dizia que estava celular e não conseguia fazer um PIX. Eu então pedi que ela me mandasse a chave, que faria para ela. A pessoa mandou o valor, e foi onde eu me assustei e pensei “o que aconteceu que ela está pedindo R$ 9 mil?”. Comentei com uma colega de trabalho e ela me alertou: “Isso é golpe” — conta.
Ainda segundo Darcio, ele apenas não repassou o dinheiro para a suposta filha por conta do valor, considerado alto. Apesar da tentativa, ele não relatou o caso à polícia, apenas bloqueou o número e denunciou o caso à operadora.
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A situação envolvendo o servidor federal se relaciona a outro fator que, para o especialista em direito criminal, Guilherme Silva Araújo, também facilita a prática do crime: o alto grau de conectividade dos tempos atuais e a falta de atenção.
— O golpe virtual ocorre muitas vezes quando você está desatento. Muitas vezes você não tem tempo suficiente para que haja o nível de consciência sobre aquela situação suficiente para perceber os riscos daquilo ali. A velocidade que as coisas acontecem nesse mundo conectado digital e a quantidade de interações reduz o nosso índice de concentração e faz com que a gente esteja suscetível e mais vulnerável — pontua.
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