Faltavam 45 minutos para começar Honduras e França, domingo passado, e desconfiei que estava perdendo parte da experiência de viver uma Copa do Mundo no Brasil. Já dentro do Beira-Rio havia quase uma hora, deixei o espaço da imprensa, desci a rampa do estádio e fui entender por que menos da metade das cadeiras do estádio estavam ocupadas já que os ingressos estavam esgotados. Pelo lado de fora, nas proximidades e no pátio, era possível perceber o que milhares de países já sabiam e o Brasil descobriu enfim: a Copa do Mundo é uma experiência notável, muito além do futebol.

Continua depois da publicidade

Os arredores do Beira-Rio estavam tomados por torcedores de todas as cores, aproveitando as áreas de lazer que, antes de a Copa chegar, eram amaldiçoadas sob o antipático apelido de “estruturas temporárias”. Nos estandes de empresas privadas o ambiente tinha ares de rave. Descontração e cordialidade. Destaques de diferentes nacionalidades se misturavam pulando, dançando abraçados ao som de ritmos improvisados. Gente de variadas idades se negava a entrar no estádio, dando a impressão de não querer parar de brincar nesta Disneylândia do futebol.

Os voluntários têm sido um capítulo à parte, mais empolgados do que os visitantes.

– É impossível não se contagiar – diz Cecília Lucila Griebeler, funcionária aposentada da Santa Casa de Misericórdia.

Cecília e os milhares de voluntários estão treinados não apenas para responder em várias línguas. Eles perguntam se está tudo ok, tomam a iniciativa de ajudar, se deslocam de um lado a outro para que suas jaquetas azuis-claras e amarelas cintilem pelo pátio. Querem ser vistos. Usam sinais para ajudar e mantêm sorriso permanente, dispostos a desempenhar o exercício principal do voluntariado: colaborar.

Continua depois da publicidade

Uma das voluntárias mais animadas é a que fica logo após as catracas de entrada. Não se cansa de falar ao megafone: bem-vindo – repetido na língua dos dois times visitantes. Ao que os estrangeiros respondem com gritos de torcida e um sorriso que parece dizer “muito obrigado por tanto aconchego”.

Porto Alegre está assim desde o dia 12, quando desembarcaram os primeiros visitantes. Bares lotados de solidariedade, confraternização, troca de experiência e paqueras bilíngues. Os motoristas distribuem gentilezas. Respeitam as faixas de segurança, os pedestres e os outros veículos. Os taxistas estão mais amáveis e solícitos neste junho mágico, no qual até São Pedro resolveu colaborar, desenhando céu de brigadeiro sobre a sede mais meridional, uma cidade que temia o minuano, temia a chuva, temia não estar pronta…

Há obras incompletas – longe do palco -, o som não funcionou no primeiro hino, tem alguns escombros e material de construção ainda acumulados junto a muretas e a iluminação pública falhou na noite do primeiro domingo de Copa no caminho entre o estádio e o Centro. Mas tudo está menos importante diante do espírito que contagia o país.

O temor tem se dissipado desde o dia 12, quando o Brasil começou a acreditar que é capaz de produzir uma Copa. As primeiras interpretações estrangeiras já colocam a de 2014 como a Copa dos sonhos, da hospitalidade, dos hinos à capela, dos estádios lotados, da média alta de gols por partida, dos jogos improváveis.

Continua depois da publicidade

Ainda falta muito até 13 de julho, mas já dá para dizer que a oportunidade de viver uma Copa do Mundo em casa é uma experiência para a vida, como comprovou o Beira-Rio em uma das mais emocionantes partidas de sua história nos 3 a 2 entre Holanda e Austrália. Uma quarta-feira em que a emoção nasceu com a Avenida Borges de Medeiros alaranjada e se estendeu até o final da tarde, quando uma multidão caminhou sorridente por 2,5 quilômetros até a Fan Fest, às margens do Guaíba. Enquanto no telão o Chile despachava a Espanha, um saudável flerte animava brasileiros e estrangeiros fantasiados com cangurus na cabeça, caras pintadas e ternos alaranjados e brilhantes.

Não era, mesmo, preciso gastar quase R$ 30 bilhões para realizar a Copa. Se fosse possível deletar o que foi gasto a mais ou o dito a mais nos últimos sete anos, a Copa do Mundo no Brasil seria simplesmente o mais simpático evento planetário, como parece ser a Copa que podemos sentir ao vivo e a cores dentro dos estádios. Ou melhor, nas ruas.