O rebaixamento na nota de crédito confirma por que o Brasil não é mais o queridinho entre investidores estrangeiros. Apesar disso, o país não corre o risco de sair do clube de bons pagadores, grupo com acesso a juros mais em conta no Exterior.
Continua depois da publicidade
Pelo menos por enquanto. A expectativa de analistas de mercado é que o Brasil mantenha o grau de investimento em 2014 e que nova revisão seja feita só em 2015, o que daria tempo para o governo realizar ajustes nas contas públicas – um dos motivos apontados pela Standard & Poor’s (S&P) para reduzir a nota. A perspectiva de que seja mantida estável este ano foi reforçada ontem, quando a diretora da agência no Brasil, Lisa Schineller, declarou não haver expectativa de nova revisão nos próximos meses.
Mesmo assim, o risco de rebaixamento incomoda. Com o conceito mais baixo, o país passa a ter a mesma qualidade de crédito de Espanha e Islândia, que praticamente foram à bancarrota após a crise financeira.
A redução da nota reforça críticas feitas no mercado doméstico em relação à alta das despesas públicas. Quanto mais o governo gasta, mais crescem as dúvidas sobre a capacidade do país de honrar as dívidas. Dados divulgados ontem pelo Tesouro mostram que a dívida pública subiu 1,03% em fevereiro, para R$ 2 trilhões.
– O endividamento do Brasil não está em patamares tão preocupantes se comparado com países como Itália e Espanha. O que pesa é a estimativa de aumento dessa conta, que vem crescendo faz alguns anos – diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco brasileira Austin Rating.
Continua depois da publicidade
Pesou também o julgamento da correção da poupança pela Justiça (bancos podem ter de arcar com supostas perdas nas cadernetas com os planos econômicos das décadas de 1980 e 1990) e os subsídios dados ao setor elétrico para adiar a alta na conta de luz. Com BBB-, o Brasil fica agora apenas um nível acima do chamado grau especulativo, que reúne nações mais vulneráveis a um possível calote.
A avaliação mais baixa da S&P não obriga as outras grandes agências, Fitch e Moody’s, a revisarem suas notas.
– Essa redução pode ser algo bom. É uma nota menor, mas com previsão de estabilidade, o que traz mais clareza e menos ansiedade para o mercado – avalia Robson Makoto Sato, executivo de classificação de risco da SR Rating.
O Brasil no olhar das agências
S&P
Rebaixou na segunda-feira a nota do Brasil alegando piora nas contas públicas e perspectiva de baixo crescimento nos próximos anos. A decisão não chegou a pegar o mercado de surpresa. Em junho de 2013, a agência já havia alterado a perspectiva de estável para negativa, sinalizando que poderia reduzir a nota brasileira caso não houvesse melhoras nas condições econômicas.
Continua depois da publicidade
A S&P também rebaixou as notas das estatais Petrobras, Eletrobras e Samarco de BBB para BBB-. Analista da agência disse confiar que Brasil manterá categoria de grau de investimento.
Nota: BBB-
Perspectiva: estável
Quem está junto: Azerbaijão, Espanha, Índia e Islândia
Nota mínima para ser considerado grau de investimento: BBB-
Moody’s
Depois de mudar a perspectiva da nota de risco de crédito do Brasil de positiva – que previa chance de elevação da classificação – para estável em setembro do ano passado, a Moody’s manteve a nota de risco do Brasil em janeiro. Apesar da manutenção na avaliação, a agência fez um alerta aos investidores para o crescimento da dívida pública do país.
Segundo o vice-presidente da Moody’s, Mauro Leos, a nota brasileira deve voltar a ser reavaliada conforme o desempenho da economia no fim do semestre e avisou que caso a dívida pública se aproxime de 65% do PIB o Brasil pode sofrer um corte na classificação de risco.
Nota: Baa2
Perspectiva: estável
Quem está junto: Espanha, Itália, Peru e Panamá
Nota mínima para ser considerado grau de investimento: Baa3
Fitch
É quem vê a atual situação fiscal do país com menos pessimismo. Em julho de 2013, quando divulgou avaliação mais recente, a agência manteve a nota do Brasil em BBB com perspectiva estável, indicadores mantidos desde 2011. Apesar de perceber piora nas contas públicas, para a agência o governo mostra sinais de que deseja melhorar a credibilidade da política econômica.
Continua depois da publicidade
O discurso foi reafirmado em janeiro pela diretora para a América Latina de notas soberanas da Fitch Ratings, Shelly Shetty, que elogiou a disposição do combate à inflação com aumento na taxa de juro e a realização de leilões de concessões públicas em infraestrutura.
Nota: BBB
Perspectiva: estável
Quem está junto: Colômbia, Espanha, Islândia e Rússia
Nota mínima para ser considerado grau de investimento: BBB-
O ABC do risco
Agências de classificação de risco
São empresas especializadas em avaliar papéis que representam dívida – títulos públicos, notas do Tesouro, debêntures -, tanto de empresas quanto de governos ou países. Essas agências avaliam, atribuem notas e classificam países, governos ou companhias conforme o grau de risco de que não paguem a dívida no prazo e pelas regras fixadas.
Avaliadoras do Brasil
O Brasil tem contrato para classificação de seu risco de crédito com Standard & Poor’s (S&P), Fitch e Moody’s, mas outras agências monitoram o crédito no país, como a canadense Dominion Bond Rating Service (DBRS), as japonesas Japan Credit Rating Agency (JCR) e Rating and Investment Information (R&I), a sul-coreana Nice Investors Service a a chinesa Dagong Global Credit Rating.
Dívida
Empresas e governos costumam recorrer ao mercado para se financiar. É uma forma de empréstimo, usada tanto para fazer projetos excepcionais, de expansão, quanto completar a quantia necessária para fechar o orçamento anual. Um dos recursos mais comuns para buscar esses recursos é a emissão de títulos. Esses papéis são “vendidos” em troca de dinheiro com a promessa de pagar juros. Quando uma pessoa aplica em renda fixa no Brasil, por exemplo, geralmente está comprando títulos da dívida do governo do país.
Continua depois da publicidade
Dívida soberana
É o conjunto de títulos emitidos por um país para financiar suas contas. Os governos contam, para bancar suas despesas, com a arrecadação de tributos. Quando esse volume não é suficiente para bancar todos os gastos, recorrem à emissão de papéis, que são vendidos no mercado em troca do pagamento de juros.
Calote (default)
É a inadimplência, o pesadelo dos investidores. Significa que a empresa ou país não vai pagar a dívida conforme o combinado. No Brasil, também é conhecida a expressão “moratória”, usada pelas autoridades em 1983 para comunicar que o país não tinha mais condições de pagar a taxa de juro prevista nos contratos.
Grau especulativo
É um conjunto de notas que expressam dúvidas sobre a capacidade ou vontade do país ou empresa credora de pagar as dívidas em dia ou pelas regras contratadas. Até 2008, o Brasil só tinha notas nessa categoria.
Grau de investimento
É uma espécie de selo de “bom pagador” que as agências dão a empresas ou países. Representa um conjunto de notas a partir do qual a confiança no credor é mais elevada. Desde 2008 o Brasil é um país classificado com notas em grau de investimento. Na segunda-feira, a S&P rebaixou o Brasil para o nível mais baixo de grau de investimento. Alguns grandes investidores institucionais, como fundos de pensão dos EUA, exigem que a empresa ou o país de quem pretendem comprar papéis que tenham duas notas nesse grau de avaliação.
Continua depois da publicidade
Nota
É o conceito dado pelas agências de classificação de risco para determinada dívida, que representa uma opinião. Cada uma tem uma escala própria, mas a divisão básica é comum em quatro grandes grupos: A, B, C, D. A melhor é AAA, ou triplo A. A pior é o D, que indica empresa ou governo em calote (default). Existem até 25 notas possíveis por combinação de letras, números e sinais.
Perspectiva (outlook)
Espécie de indicador de que determinada agência pode modificar a nota da empresa ou do país avaliado. É uma opinião da agência sobre a maior probabilidade de mudança da nota, geralmente dentro de 18 meses. A perspectiva pode ser estável (sem perspectiva de mudança), positiva (pode haver uma elevação da nota) ou negativa (pode haver um rebaixamento).
Rating
É uma classificação, que pode ser de empresas, instituições ou títulos específicos. Há dois tipos de rating, o geral sobre a situação global de empresas/instituições, considerando a situação econômico-financeira e perspectivas de lucro e o específico sobre o risco de crédito, considerando a capacidade de manter em dia o pagamento dos juros da dívida.
Risco
Representa a possibilidade de que um investimento não apresente os resultados mínimos previstos.
Risco de crédito
Possibilidade do beneficiário de determinado empréstimo não ter capacidade financeira para pagar os juros e/ou o capital em dívida.
Continua depois da publicidade
Risco de descumprimento (default risk)
Possibilidade do emitente de determinada dívida não ter a capacidade financeira necessária para pagar juros e/ou capital em dívida na data e no montante prometido.
O boletim de notas
Grau de investimento
AAA: é a nota mais alta, indica total capacidade de pagar as dívidas no prazo.
AA: alta capacidade de honrar compromissos financeiros.
A: boa capacidade de pagar as dívidas, mas suscetível a mudanças na conjuntura.
BBB: boa condições financeiras, mas não tão protegidas contra choques.
Grau especulativo
BB: menos vulnerável a curto prazo, mas com incertezas em relação ao futuro.
B: consegue pagar suas dívidas, mas é vulnerável a mudanças nas condições
econômicas.
CCC: bastante vulnerável, depende de condições econômicas muito favoráveis para honrar os débitos.
CC: altamente vulnerável.
C: à beira do calote.