Era o primeiro dia de aula de Raquel. O primeiro de muitos. Ela, agora, era considerada uma “menina grande”: já estava numa sala de aula do primeiro ano do ensino fundamental. Quando a moça da televisão chegou, com câmera e microfone, todas as crianças queriam dar entrevista.

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A repórter foi conversar com Raquel. A menina, ostentando seu uniforme, estava deslumbrada. Tinha os olhos brilhantes quando, com um jeitinho todo meigo, confessou que, ali, naquele dia, estava realizando seu sonho: de estudar numa escola grande, com carteiras umas atrás da outras. Um sonho lindo, este.

Quando a repórter caiu na risada, os olhinhos brilhantes da menina começaram a se ofuscar, seu sorriso ganhou uma curva estranha. Do que ria aquela mulher, no maior descaramento, enquanto a pequena abria seu coração?

Qual é o valor de um sonho, ainda mais assim, realizado? Existem sonhos maiores e sonhos menores? O que tinha de tão engraçado na realização do sonho de uma criança que desejava entrar para a escola? Ou a repórter ria porque a escola em questão era pública, e a cadeira na qual a menina se sentava, com o encosto já desgastado pelo tempo, denunciaria isso?

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A menina não entendia nada – e nem eu. A repórter insistiu, perguntando como ela estava se sentindo. Ora, leitor, como você se sentiria no momento em que realizasse seu sonho? “Me sentindo adorável”, respondeu a pequena. “Quase chorei quando entrei aqui”. A mulher, sem alma nem coração, tornou a cair na gargalhada. A menina mordeu os lábios, os olhinhos pequenos correndo ao redor, constrangida. Inspirou tão fundo que chegou a erguer os ombrinhos e soltou o ar de uma só vez.

Uma vez, um desses manuais de instruções para a vida me ensinou que nunca devemos acabar com o sonho de ninguém, por menor que ele seja, porque pode ser que o sonho seja tudo o que tenha restado àquela pessoa. Eu digo mais: deveria ser crime debochar tão abertamente do sonho de alguém, deveria ter punição para quem escarnece dos sonhos alheios.

Eu sonho com um mundo onde as pessoas sonhem em estudar, em viajar para lugares incríveis que estão nos livros. Sonho com crianças sendo incentivadas a realizar seus sonhos, sem acreditar nessa tolice de que sonhos possam ser pequenos ou grandes, e que elas possam se sentir adoráveis tantas vezes quantas forem possíveis, sem que ninguém tenha a audácia de rir disso.

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