Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), o delegado Carlos Eduardo Sobral disse, em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (29), que a PF recebeu com surpresa a troca do comando do Ministério da Justiça. Como o órgão, agora liderado por Torquato Jardim, é responsável por nomear os gestores e determinar o orçamento da corporação, ele avalia que há “risco real” de interferência no trabalho de investigação.

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— Com crise política e instabilidade, atos insensatos passam a ser possíveis. Vamos redobrar a atenção. O cenário é de alerta. Existe risco real, ninguém pode negar — afirmou.

Escute a íntegra da entrevista:

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Sobral ainda comentou o vazamento de diálogos, que apontavam a escolha de “um nome forte e com coragem” para interferir na PF, cujo foco tem sido o combate à corrupção. Por isso, defendeu que seja dada autonomia à instituição.

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— Os potenciais meios de intervenção são imensos em função dessa falta de autonomia — disse, defendendo a PEC 412, uma lei complementar que prevê normas para que a corporação tenha autonomia funcional, administrativa e orçamentária.

O presidente da ADPF ainda comentou a entrevista dada pelo novo ministro à Folha de S.Paulo. Disse que viu com “tristeza” o fato de Torquato ter dito desconhecer o trabalho da PF e de que vai “avaliar” mudanças no comando da Polícia Federal.

Abaixo, confira a entrevista conduzida por Luciano Pottter, David Coimbra e Andressa Xavier.

Qual é o temor com um possível desaparelhamento da PF com a nomeação de um novo ministro da Justiça?

Todos nós fomos pego de surpresa ontem (domingo) com a informação da troca do comando do Ministério da Justiça. O ministro Osmar Serraglio vinha sofrendo críticas, isso é público, mas a troca acabou realmente pegando todo mundo muito de surpresa. E, no cenário, em um contexto de que expoentes da política foram interceptados e os diálogos vieram a público informando a pretensão de colocar um nome forte no comando do ministério, no sentido de alguém com coragem e capacidade de interferir nas ações da Polícia Federal, a troca nos traz realmente muita preocupação. 

Infelizmente, a PF ainda não tem autonomia, como tem o Ministério Público e a Defensoria Pública. Então, ela é muito dependente do Ministério da Justiça em vários aspectos, inclusive orçamentário e de gestão. Nós temos uma vinculação muito grande, então uma mudança no comando do Ministério da Justiça pode, sim, ter uma interferência nas ações da PF. Por isso, a gente tem um movimento muito forte em defesa de aprovação de uma mudança constitucional, para colocar a autonomia da PF na Constituição e a previsão de um mandato para diretor-geral para que as trocas de ministro da Justiça não tragam essa discussão, essa preocupação, essa insegurança de haver uma tentativa de intervenção na PF.

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Em que medida o ministro da Justiça pode interferir no trabalho da PF na prática?

Todo o nosso orçamento é vinculado ao Ministério da Justiça e ao do Planejamento. Então, passa pela Justiça e se a Justiça cortar, já direciona para outras áreas.

Não existe percentual de recursos garantido por lei?

Não tem. Nós podemos ter todos os nossos recursos contingenciados. Na semana passada, veio a público que havia sido cortada 44% da nossa verba de custeio. A gente ia parar. Houve uma discussão pública, a imprensa noticiou, o governo recusou e cortou 29%, que é muita coisa em um orçamento que já é insuficiente. 

Então, contingenciamento de recursos, a nossa incapacidade de propor o nosso orçamento, toda a nossa gestão, nossos cargos de administração ou são pela Justiça ou pela Casa Civil, não é a instituição que faz a nomeação. Com isso, os potenciais meios de intervenção são imensos, são enormes, em função dessa falta de autonomia. E, por isso, a gente tem trazido a população para discutir como garantir que as ações da PF não sofram nenhum tipo de retrocesso.

O que tem passado a PF nesses últimos meses, com as trocas de ministros – foram seis em pouco mais de um ano…

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É uma situação muito tensa, muito complicada. Não é de agora. No fim de 2015, quando estava fechando nosso orçamento, houve um corte muito grande, de quase 30%. Tivemos de fazer um movimento público, com apoio da imprensa, para conseguir retomar o orçamento, que já é pequeno. 

Agora vem de novo esse corte de 44%, que virou 29%. Ficou claro que a PF não é uma prioridade, não vem recebendo a atenção que deveria. Nosso efetivo hoje é menor do que era 10 anos atrás. A gente não consegue realizar concurso público. E só não estamos piores porque, com o apoio e os olhos da imprensa, a sociedade fica sabendo. Se não tivesse toda essa visibilidade, principalmente em razão da Lava-Jato e do momento que o país vive de mudança pelo fim da corrupção, nossa situação poderia ser ainda pior.

Não seria muita “cara-de-pau” mudar um ministro da Justiça para afetar diretamente o trabalho da PF?

Nós vivemos um cenário de crise política e de instabilidade muito grande e, nisso, atos insensatos passam a ser possíveis. Então nós vamos redobrar atenção para que não haja ações de interferência, mas que há um cenário de alerta, um risco real, isso ninguém pode negar.

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O que você tem a dizer sobre a entrevista do novo ministro à Folha?

Isso é muito triste, primeiro porque um ministro diz que não conhece o trabalho da Polícia Federal. E, segundo, temos que compreender que instituições de Estado não são de governo. Instituição como a PF não são de governo. Por isso, ministro ser o chefe da PF, não pode. 

O ministro é parte do comando político do governo. Não pode ter essa vinculação direta. Isso que temos que entender: instituições de Estado, que atuam em fiscalização e controle de atos públicos, não podem ficar dependentes da vontade do governo de plantão. Ministro não pode entrar e dizer “vou mudar tudo”. Não é assim que funciona em democracias consolidadas.

Todo esse cenário de críticas tem relação com a Lava-Jato? Existem críticas dentro da PF à Lava-Jato?

Nós entendemos que as críticas são legítimas, inclusive, nos permitem evoluir. Em relação às operações e à atuação no combate à corrupção e ao crime organizado, não há críticas dentro da PF, muito pelo contrário. É uma vontade clara e cristalina da instituição em dar total enfoque, total prioridade em combater desvio de dinheiro público.

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Qual é o próximo passo da associação?

Nós vamos, agora, aguardar uma decisão do ministro da Justiça. Nós acreditamos que ele vai se comprometer com a autonomia da PF, ressaltar a importância da não intervenção na PF, conhecer melhor as nossas ações, já que ele disse que não conhece, e respeitar e compreender que é um caminho sem volta. Nós temos que continuar passando o Brasil a limpo, e a PF é um dos grandes instrumentes dessa mudança.

A sua esperança de que não vai haver intervenção não é vã? Em Brasília, os políticos não estão preocupados com a opinião pública, mas em se salvar da cadeia?

Com certeza, se houver uma ação concreta, um movimento nesse sentido, a sociedade vai saber reagir e essa ação vai só tornar pior aquilo que já é ruim no ambiente político. Tenho certeza que vão avaliar e não vão chegar a esse ponto, que a sociedade vai saber reagir.

NOTA

A associação divulgou uma nota nesta segunda-feira (29), em que reforça a preocupação com a noemação do ministro; leia a íntegra:

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A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) vem a público demonstrar preocupação com a notícia da substituição, neste domingo, dia 28, do Ministro Osmar Serraglio pelo Ministro Torquato Jardim para ocupar o cargo de ministro da Justiça.

Os Delegados de Policia Federal foram surpreendidos com a notícia da substituição, até mesmo porque desconhecem qualquer proposta de Torquato Jardim para a pasta. É natural que qualquer mudança no comando do Ministério da Justiça gere preocupação e incerteza sobre a possibilidade de interferências no trabalho realizado pela Polícia Federal. Para resolver esta situação e evitar dúvidas, é fundamental que seja logo aprovada, no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009, que garante a autonomia funcional, administrativa e orçamentária à Polícia Federal.

Além da autonomia, também é essencial que seja instituído o mandato para Diretor-geral da PF, de modo que mudanças de governo ou de governantes não reflitam em interferências políticas, cortes de recursos e de investimentos que prejudiquem as ações da Polícia Federal.

Carlos Eduardo Sobral
Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Policia Federal – ADPF