Enquanto ônibus eram incendiados, no sexto dia de ataques em Santa Catarina, o Tribunal de Justiça avaliou as condições da Penitenciária de São Pedro de Alcântara. A unidade concentra os líderes da facção criminosa suspeita pela autoria dos 75* ataques no Estado: o Primeiro Grupo Catarinense. O TJ entregou à direção e aos presos, relatório do Ministério da Justiça. O DC acompanhou com exclusividade a inspeção, nesta terça-feira.
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Sem escolta e acompanhado pelo diretor da unidade, Renato Fernandes Silva, o grupo formado pelo juiz-corregedor do TJ, Alexandre Takaschima e sua equipe, integrantes da organização política Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina, duas advogadas e a reportagem entraram na unidade prisional.
Um surto de diarréia e vômito que começou no domingo foi relatado durante toda a tarde por diversos detentos, medicados com soro e chá de boldo. O juiz corregedor do TJ, Alexandre Takaschima, contou que mandaria ofício à vigilância sanitária para verificar a alimentação e água da unidade em virtude do problema de saúde que atingiu vários presos em todos os pavilhões, apesar da distribuição do soro pela direção.
Takaschima entregou “informalmente” à direção e à presos representantes dos quatro pavilhões, o relatório com recomendações de melhorias para as cadeias de SC produzido pela Ouvidoria do sistema penitenciário do Ministério da Justiça.
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Há suspeita de que um dos motivos do PGC para ordenar os atentados seria a demora de uma resposta do Estado em melhorar as condições em cadeias catarinenses. As diretrizes para isso constam do relatório.
Para o juiz Takaschima, apesar dos problemas estruturais e de pessoal que precisam continuar sendo trabalhados, a gestão do diretor Renato Silva, que assumiu depois do afastamento de Carlos Alves (agente investigado por supostamente torturar presos depois do assassinato de sua mulher cujos indiciados são do PGC), tem demonstrado bons resultados.
– Estou mais esperançoso e acredito que há a possibilidade de mudança e de melhorar muito mais. Dá ver uma luz no fim do túnel – observou o juiz corregedor.
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Takaschima disse que vai fazer os devidos encaminhamentos quanto às denúncias de maus tratos contra presos.
O diretor Renato contou que o clima está mais tenso por causa dos atentados e pela falta de efetivo.
– Os agentes estão em alerta e tensos por causa da falta de respaldo do Estado. Falta estrutura e material humano, mas o governo sinalizou melhorias. Estamos no aguardo – disse Silva.
Representante da Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina, o advogado Eduardo Mello ressaltou que, pelo o que viram, a questão da tortura física não está mais em primeiro plano, mas sim os problemas estruturais e outro ponto grave.
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– Presos sem pátio e sem água é uma tortura psicológica que acaba se tornando uma panela de pressão. Se solucionasse esses pontos, poderia-se distencionar o clima aqui dentro_observou Mello.
O diretor Silva disse que a falta de banho de sol é resultado do efetivo reduzido e que o problema de água existe em todo município que tem captação de água natural e não é abastecido pela Casan.
Silva garantiu que vai averiguar os alimentos e que as marmitas com tampa foram quebradas pelos detentos. Informou que os remédios são solicitados, mas que nem sempre a Secreataria de Saúde tem para fornecer.
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O grupo liderado pelos representantes da Corregedoria do TJ visitou o setor de saúde, a cozinha industrial, padaria, biblioteca, e os quatro pavilhões com os 1.199 detentos registrados naquele dia, atendidos por 19 agentes penitenciários por plantão, 11 a mais do que em novembro e 11 agentes a menos do que o necessário, de acordo com o diretor.
“Não somos bichos, somos seres humanos, temos raciocínio”
O primeiro setor visitado foi o de saúde, onde foram constatados avanços, embora o dentista estivesse trabalhando com canetas de rotação particulares porque o material solicitado ainda não chegou.
No extenso corredor que leva às galerias, carrinhos de mão parados comportavam o almoço feito em escala industrial. Algumas refeições estavam sem proteção. Por onde o grupo passava, presos faziam pedidos de transferência, atendimento de saúde e relatavam as condições lá dentro: comida estragada, falta de banho de sol regular, a virose espalhada pela unidade.
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Os detentos enfatizaram os maus tratos por parte de uma minoria de agentes penitenciários. Eles afirmam que não querem nada a mais do que cumprir a pena deles em paz.
Disseram que não é a base de tortura e opressão, ou seja, “cacetete, bala de borracha e gás” que serão ressocializados, e que merecem uma oportunidade.
– Não somos bicho, somos seres humanos. Temos raciocínio – disse um deles, que preferiu não se identificar.
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Os presos disseram ainda que não tem orgulho de chutar as portas, mas que tomam essa atitude diante da “covardia” de agentes quando estes jogam bomba de gás nas celas.
Relataram sobre transferências consideradas aleatórias e que fazem com que o preso transferido fique longe da família. Um detento disse que “se tirarem a família de nós, não temos nada a perder”.
* Dados divulgados até as 21h30min de quinta-feira, dia 7
Ministério da Justiça recomenda investimento na qualificação de agentes
Ouvidora do sistema penitenciário do Ministério da Justiça (MJ), a psicóloga Valdirene Daufemback, produziu um relatório que é resultado da inspeção realizada em 3 e 4 de dezembro de 2012, na Penitenciária de São Pedro de Alcântara.
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A inspeção foi motivada também pelas denúncias de tortura na unidade seguidas dos atentados de novembro em SC. A ouvidora retornará à São Pedro em visita de monitoramento das recomendações contidas no relatório, prevista para março.
Valdirene observou que o importante, na ocasião, é que o governo demonstre que há avanços. Caso não seja notado nenhum avanço, outras medidas serão aplicadas. A ouvidora informou que enviou oficialmente o documento ao governo de SC no final de janeiro.
A ouvidora esclareceu que não há prazo específico para a adequação das recomendações, já que cada uma delas exige encaminhamentos diferentes.Confira trechos da entrevista:
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Diário Catarinense_O que a senhora acha sobre o tratamento violento recebido pelos presos nas unidades prisionais, especialmente em São Pedro e recentemente no Presídio Regional de Joinville?
Valdirene Daufemback_O Ministério da Justiça recomenda às unidades prisionais que sejam voltadas à reintegração social. Com certeza a violência, os maus tratos e o descumprimento da lei não fazem parte dessa gestão. Na medida em que as insitutições descumprem a lei, elas deslegitimam a punição que se pretende dar com a pena restritiva de liberdade. Isso vai contra a proposta de justiça. O que se almeja é que essas instituições penais conquistem outras estratégias para manter a disciplina e promover a educação e a qualificação dos presos para convivência em sociedade.
Diário Catarinense_Como essa violência contra detentos afeta a sociedade?
Valdirene Daufemback_A violência institucional pode repercutir na sociedade inclusive quando os presos forem liberados após cumprimento da pena porque estarão mais reativos do que dispostos a se regenerarem e se reinserirem na sociedade. Este tipo de violência também afeta as famílias que frequentam as unidades e a qualidade de vida dos funcionários.
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Diário Catarinense_Qual é a conclusão, em linhas gerais, que a senhora chegou sobre a Penitenciária de São Pedro de Alcântara depois da inspeção de dezembro?
Valdirene Daufemback_Não é a primeira inspeção feita nesse estabelecimento. Foi feito o acompanhamento pelo Ministério em outras ocasiões como em 2008 e pelas próprias manifestações que chegam na Ouvidoria. A unidade tem algumas dificuldades com relação ao número de profissionais que lá trabalham, um número aquém do necessário. Há também a necessidade de reformulação de aspectos da gestão e investimento maior na qualificação dos servidores penitenciários.
O que avançou
presença de uma médica no setor de saúde
reabertura do consultório odontológico
adequação do setor de esterilização
piso novo na cozinha industrial
reforma e instalação de câmeras de monitoramento no setor de isolamento
atendimento às famílias está mais rápido e apropriado durante as revistas
O que precisa ser melhorado
contratação de um infectologista
alimentação
semi-aberto continua na unidade que é de regime fechado
qualificação e capacitação dos agentes
contratação de mais agentes
Fonte: Corregedoria do TJ
Recomendações da Ouvidoria do Sistema Penitenciário
Algumas medidas sugeridas ao Estado de Santa Catarina:
Criação de corregedoria e ouvidoria no sistema penitenciário
Implantação de programa de assistência ao egresso
Investimento de fornecimento de água tratada e energia elétrica na Penitenciária de São Pedro de Alcântara
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Encaminhamento de informações sobre a Penitenciária que será construída em Imaruí
Celeridade na instalação da Defensoria Pública
Investimento na formação de juízes e promotores criminais no uso racional da pena privativa de liberdade, das medidas cautelares e alternativas
Instalação do Conselho da Comunidade de São Pedro de Alcântara
Fonte: Relatório de inspeção na Penitenciária de São Pedro de Alcântara e reunião com a Secretaria da Justiça e Cidadania entre 3 a 4 de dezembro de 2012.