Por mais que tenha suas marcas indeléveis (as investigações das relações de poder e das expressões da violência, por exemplo), a obra de Oliver Stone pode facilmente ser dividida em duas.

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Ambas são em sua essência políticas, mas, se em parte de seus filmes o cineasta nova-iorquino se dedicou aos líderes históricos (JFK, Nixon) e às grandes crises (Wall Street, World Trade Center), em diversos momentos ele preferiu ver a História de maneira bem menos ortodoxa. Foi nesses projetos que deu destaque a personagens não tão badalados (Platoon, Nascido em 4 de Julho) e examinou a construção do poder a partir de relações aparentemente mais ordinárias (Reviravolta, Um Domingo Qualquer).

E também, paradoxalmente, cometeu seus maiores excessos.

É o caso de Selvagens, em cartaz desde o fim de semana na Capital. Adaptação da obra de Don Winslow, o longa narra a ascensão no mundo do tráfico de dois jovens típicos da Califórnia, porém, extremamente diferentes – e complementares. Chon (Taylor Kitsch) lutou no Afeganistão, é durão e tem pavio curto. Ben (Aaron Taylor-Johnson) é sensível e passa temporadas ajudando crianças na África. O que os une é a paixão pela mesma garota, Ophelia (Blake Lively), loira rica que dorme literalmente na mesma cama de ambos, e a poderosa maconha que os bonitões com jeito de surfistas decidem começar a vender.

É Ophelia quem narra a história toda – com diversos detalhes em exagero, ressalte-se. “Selvagens”, numa primeira leitura, conduzida pelo olhar da garota, seriam os traficantes de origem mexicana que tentam cooptar os dois protagonistas ao perceberem seu crescimento – Salma Hayek é a mandachuva do grupo, e Benicio Del Toro, seu capanga inescrupuloso. Mas Oliver Stone brinca com o conceito: a selvageria passa a vir de todos os lados, inclusive do poder oficial (há um estranho John Travolta como um agente corrupto da lei), quando ela é sequestrada pelos “vilões” e os dois “heróis” precisam visitar o inferno para resgatá-la.

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Se a premissa parece interessante, a mão do diretor pesa ao querer transformar esta aventura negra em uma ópera pop, grandiloquente, com fotografia de cores saturadas, montagem frenética e malabarismos narrativos – mais ou menos como fizera Steven Soderbergh em Traffic (2000), filme do qual Selvagens muito se aproxima. Há algo por trás do barulho todo. Só que os maneirismos em excesso levam a fruição para outro lado – em alguns momentos a confusão cinematográfica torna tudo engraçado, como se o espectador estivesse diante de um pastiche.

A sensação se confirma ao final, quando a paciência do público é testada com uma pegadinha ao estilo “não foi bem assim como acabamos de mostrar”. Tem algo de esperto e divertido, mas poderia ser mais do que isso.