Começou com um tremor no olho. A empresária Jeane Moura, de 45 anos, cogitou ser falta de óculos, mas ele não resolveu. O sintoma antes comum a cada três dias ainda passou a ser diário, e a tremedeira se estendeu ao ombro, o que talvez já fosse o caso de se alongar mais, outra solução frustrada. Vieram depois coceiras na perna, com manchas vermelhas pipocando em feridas pelo corpo todo. A imunidade caiu de vez, com uma gripe quase interminável, e mesmo os cuidados com a alimentação não deram conta. Surgiram ainda gastrite, insônia, herpes e micoses, acompanhadas de cinco meses de consultas a diferentes especialistas e tratamentos pontuais, até vir o diagnóstico definitivo: síndrome de burnout.
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Jeane se viu acometida por um distúrbio emocional que, desde o ano passado, é entendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença do trabalho, com alerta reforçado agora por ocasião do Dia do Trabalhador, celebrado nesta segunda-feira (1º).
A causa do burnout é justamente o excesso de trabalho, que se manifesta em sintomas de esgotamento físico e mental, o que só foi percebido pela empresária de Florianópolis que trabalhava 15 horas por dia quando o corpo parou e já não era possível ignorar a origem do problema.
— Eu acho que o burnout é o corpo desligar. Ele avisa antes, mas a gente está com a cabeça no trabalho e não percebe — resume Jeane, que lida com o distúrbio já ciente sobre ele desde setembro.
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Antes do primeiro sintoma, a empresária se dedicava em tempo integral a um novo negócio, tentando repetir a fórmula que aplicou anos antes ao consolidar uma rede de franquias de alimentação saudável que chegou a bater 105 lojas na ocasião em que decidiu vendê-la. A estratégia agora, à frente de uma empresa de eletroestimulação muscular, seria também de trabalho exaustivo, até ceder ao burnout.
Desde o diagnóstico, Jeane precisou tratar dos sintomas físicos e reforçar cuidados com alimentação e exercícios. Em acordo com um médico pessoal, preferiu não recorrer a ansiolíticos até aqui. A efetiva melhora, segundo ela, veio da nova relação com o trabalho e em reconhecer os sinais do próprio corpo, o que a empresária diz entender ser um tratamento para toda a vida.
— Toda noite eu escrevo uma lista do que preciso fazer no dia seguinte. Quando acordo, normalmente já aparecem coisas novas, mas, para colocar algo na lista, agora só faço isso se tirar uma outra tarefa. Isso faz a minha lista não aumentar. O que estava me dando maior estresse era nunca vencer essa lista, então sempre varava a noite trabalhando para dar conta. Hoje trabalho uma média de 8 horas por dia, e a melhor sensação é conseguir riscar algo da lista, ver o que tenho feito — afirma.

Além da carga de trabalho menor, Jeane diz que adotou outras mudanças na rotina: o celular fica desligado aos finais de semana; convites para eventos e conversas a trabalho agora são recusados; tarefas que não consegue assumir são divididas; e todo dia precisa ter ao menos um momento de prazer, seja comer um chocolate, cantar no chuveiro ou respirar um pouco em um passeio no Jardim Botânico.
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— Quando começa a tremer o meu olho, quando dói o estômago, é um alerta. Agora eu paro, dou uma pausa. Às vezes, você vai me encontrar no cinema em uma segunda-feira à tarde. Eu achei a minha régua. Todos os dias tenho coisas novas, muito trabalho. Mas eu preciso fazer isso por mim, ter também um momento de prazer por dia na minha lista, porque não quero entrar em burnout de novo. Um piripaque mais forte do que já tive, isso eu não quero mais — diz a empresária.
Em 2019, o escritório brasileiro da International Stress Management Association (ISMA-BR, ou Associação Internacional de Gerenciamento de Estresse, em tradução livre do inglês) estimou que um em cada três trabalhadores (32%) sofre de burnout no Brasil, o segundo país com maior índice no mundo, atrás apenas do Japão. Ainda segundo a entidade, a síndrome envolve, além de exaustão, um quadro de ceticismo, com reações negativas à rotina de trabalho, e sensação de ineficácia do trabalhador.
A psicóloga Catarina Gewehr, professora da Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), explica que, por se tratar de uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas, o burnout pode vir associado também a quadros de ansiedade, síndrome do pânico e depressão, condições com diferenças entre si.
A ansiedade é um estado de antecipação do futuro a ponto de deslocar a pessoa da realidade presente. A um nível maior, ela assume um quadro de síndrome do pânico, quando o paciente tem crises de cinco a 40 minutos de medo súbito, com diversas reações fisiológicas de defesa a isso, como a aceleração dos batimentos cardíacos. Já a depressão é um transtorno mental que inclui múltiplos sintomas a depender de seu grau, como alteração do humor e perda de energia.
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O burnout se difere de todas essas outras condições, no entanto, por ser um distúrbio estritamente associado à sobrecarga do trabalho, típico da modernidade pós-industrial, segundo reforça Gewehr.
— O trabalhador de burnout tem a sensação de estar esgotado. Ele percebe nitidamente isso, mas muitos trabalhadores em burnout, quando vão à consuta médica e recebem um afastamento, mudam alguns hábitos, como a alimentação e a qualidade do sono, mas não conseguem sair do trabalho. Ele se sente culpado, que tem o dever de permanecer, mesmo percebendo que não tem energia. E aí essa pessoa entra em um processo de exaustão, geralmente com sintomatologias da ordem psiquiátrica, com uma presença consistente da ansiedade, de estados depressivos — explica a profissional.
A professora da Furb afirma ainda que, por conta das diferentes manifestações do burnout, o tratamento deve ser multidisciplinar, com ao menos um psiquiatra, um psicólogo, um fisioterapeuta, um nutricionista e um educador físico envolvidos, de modo a evitar também novas complicações.
— É como um jogo de dominó enfileirado: se derrubou a primeira peça, vai cair até a última. Então é preciso parar isso. E como se faz isso? É duro demais, mas é parando de trabalhar. Às vezes, a pessoa não consegue parar de trabalhar, então se começa um reparo com medicação, higiene do sono, qualificação da dieta, introdução de atividade física potente para trabalhar a força muscular e criativa, com dança e ioga, por exemplo. Então é um tratamento de médio a longo prazo, multiprofissional, que, se não acontecer, imagine em uma sequência de cinco a sete anos em burnout, a pessoa de fato infarta ou vai desenvolver uma desorganização celular, um câncer — acrescenta Gewehr, citando estudos sobre o tema.
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Ela reforça ainda que é fundamental a participação das empresas nesse processo, em promover um ambiental saudável, de valorização dos trabalhadores e disposição de serviços de apoio. A psicóloga sugere, por exemplo, a criação de um comitê de burnout em cada organização, o que ajudaria o colaborador e a própria produtividade da empresa.
— Toda organização que respeita os seus colaboradores deveria orientar sobre o burnout, sobre como reconhecê-lo, ter uma política de gestão de pessoas e de qualidade de vida, que potencialize as competências criativas desses sujeitos. Por exemplo, em um setor administrativo, as pessoas não só administram, elas também jogam futebol, são mães, pintam quadros. Então, é preciso olhar essas singularidades e dar espaço para essas manifestações — completa a psicóloga.