Mais de um ano depois de ter sido ouvido pela Polícia Civil durante o inquérito que investigou o caso Kiss e em meio a uma nova onda de denúncias sobre supostos tráfico de influência e esquema de comissões a bombeiros, o sargento Roberto Flavio da Silveira e Souza falou ao Diário na manhã de segunda-feira.

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O servidor público, que corre o risco de ser exonerado, falou sobre as investigações da Hidramix, empresa da qual era sócio até o ano passado, e das denúncias feitas pela ex-mulher dele, Gilceliane Freitas Dias, 36 anos, na semana passada. Em depoimento à Polícia Civil, a mulher disse que a Hidramix teria facilitação dentro do Corpo de Bombeiros de Santa Maria e que os bombeiros que indicariam a empresa para serviços recebiam 10% de comissão. Empresários da cidade disseram à reportagem que “se não fosse com a Hidramix, não conseguiam os alvarás” e afirmaram que seriam reféns do esquema.

O bombeiro nega as denúncias, diz que a empresa nunca teve facilitação, que não era indicado pelos colegas e que nunca pagou comissão a bombeiros. Diz ainda que a ex-mulher está magoada com o fim do casamento e, por isso, fez as denúncias que ele diz serem falsas (leia mais na entrevista ao lado).

Denúncias contra a empresa começaram em 2011

O trabalho de Souza na empresa e a atividade de bombeiro seguiram paralelamente sem problemas até 2011, quando houve a primeira denúncia contra a Hidramix. Esse foi o ano em que a empresa entrou no ramo de prevenção a incêndios, com a contratação de um eletrotécnico com experiência na área.

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O antigo empregador do técnico denunciou ao Ministério Público (MP) possível facilitação por parte da Hidramix na corporação, já que o empreendimento tinha um bombeiro como sócio. A denúncia deu origem ao inquérito civil aberto em dezembro daquele ano e que ainda está em andamento.

Depois disso, Souza já respondeu a outras duas investigações por parte da Brigada Militar (veja quadro), chegou a ser indiciado no Inquérito Policial Militar (IPM) sobre a Kiss, mas não foi denunciado pelo MP. Um inquérito policial, aberto em março de 2013, investigou suposto tráfico de influência e corrupção ativa pela Hidramix, mas, devido à falta de provas, foi encerrado em janeiro deste ano sem indiciamentos. Diante do novo depoimento na semana passada, o inquérito policial está sendo reaberto, e um novo IPM deve ser instaurado.

O caso Hidramix veio à tona depois do incêndio na boate Kiss. Foi a empresa que, em 2012, instalou barras antipânico na casa noturna. Segundo Edio Nabinger, eletrotécnico da Hidramix e que executou a obra na época, a empresa também fez orçamento de iluminação e sinalização de emergência para a boate, mas os donos só aprovaram a colocação das barras.

‘Me sinto muito atormentado’, afirma Roberto Flavio da Silveira e Souza, bombeiro

Diário – Por que o senhor fundou a Hidramix?

Roberto Flavio da Silveira e Souza – Para complementar o salário. Há cerca de 23 anos, agregamos bombeiros que trabalhavam com jardinagem, pintura, marcenaria, carpintaria. Como precisávamos de notas fiscais, montamos a empresa.

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Diário – Quando entrou na área de prevenção a incêndio?

Souza – Em 2011, com a contratação de um técnico habilitado. Passamos a fazer a venda de material e a execução do trabalho.

Diário – O senhor era sócio majoritário da empresa?

Souza – Houve um período em que eu fui sócio majoritário, mas foi devido a um erro na distribuição dos percentuais no contrato social por parte do contador. Foi em 2008. Ficou assim até que a Gilceliane entrou na sociedade, em 2012.

Diário – O senhor sabia que, por ser bombeiro, não poderia ser sócio majoritário em uma empresa?

Souza – Não. Quando soube, vendi o que eu tinha para trabalhar na lei.

Diário – Por que o senhor colocou 65% da empresa no nome da sua ex-mulher?

Souza – Ela pagou pela parte dela.

Diário – Como funcionava o serviço na área de prevenção?

Souza – Quem procurava a Hidramix para fazer correção ou instalação de PPCI era repassado ao Edio (gerente), que fazia levantamento, orçamento e executava o serviço. Mas era a pessoa que encaminhava nos bombeiros.

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Diário – Havia algum tipo de parceria com engenheiros que indicariam a Hidramix?

Souza – A Hidramix indicava engenheiros que poderiam fazer ou encaminhar os PPCIs no Corpo de Bombeiros. Eles faziam os planos, e nós executávamos. Era uma troca de indicações. Quando eles projetavam, indicavam a gente.

Diário – A Hidramix foi indicada por bombeiros colegas seus?

Souza – Que eu tenha conhecimento, não. Na corporação, havia uma lista com empresas habilitadas (entre elas, a Hidramix). As pessoas ligavam para essas empresas.

Diário – O senhor pagou comissão a bombeiros?

Souza – Nunca houve isso. A Hidramix nunca deu benefício (comissão) para ninguém. As pessoas nos procuram pela nossa qualificação.

Diário – Empresários disseram que, se não fosse com a Hidramix, não conseguiam os alvarás.

Souza – A Hidramix conseguia a aprovação porque fazia tudo dentro das especificações da lei.

Diário – Empreendedores disseram que o senhor garantia a aprovação e prazos com os bombeiros.

Souza – Qualquer empresa consegue mais prazo. É garantido em lei.

Diário – Por que, na sua opinião, a sua ex-mulher o denunciou?

Souza – Porque ela quer me prejudicar. Na sexta-feira (15 de março), resolvi sair de casa. Na mesma noite, ela fez um quebra-quebra aqui. Ela está falando inverdades, expondo a corporação, e pessoas que não têm nada a ver com a nossa vida.

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Diário – Com está sua vida desde que surgiram as primeiras denúncias sobre a Hidramix?

Souza – Me sinto muito atormentado. Estou com 31 anos de serviço, nunca fui punido, só tenho elogios na minha ficha, aí, simplesmente, o mundo parece desabar. É complicado. Tomo calmante para poder dormir, acordo de madrugada, perco o sono, fico me perguntando o que será que deu tão errado na minha vida.

Diário – Se pudesse voltar atrás teria aberto a Hidramix?

Souza – Acho que teria feito da mesma maneira, porque não estou fazendo nada ilícito. Só quis melhorar meu salário. Não consigo assimilar o que estou fazendo para passar por isso. Acredito que como familiares da Kiss pensam ‘meu filho era tão bom, por que foi acontecer isso com ele?’, eu também não me considero um filho ruim. Estou sendo atingido de um jeito que não tem explicação.

O CASO

– A Hidramix Prestação de Serviços foi aberta em 2003, tendo como sócio o bombeiro Roberto Flavio da Silveira e Souza

– Ao longo dos anos, Souza passou de sócio majoritário para minoritário e a empresa teve cinco alterações no contrato social. No ano passado, o bombeiro saiu da sociedade

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– Em 2012, a empresa, supostamente indicada pelo Corpo de Bombeiro, colocou barras antipânico na boate Kiss

– Em março do ano passado, a Polícia Civil começou a investigar o suposto tráfico de influência envolvendo bombeiros e a Hidramix. O inquérito foi encerrado e remetido à Justiça, em janeiro deste ano, sem indiciamento

– Na semana passada, após o depoimento da ex-mulher do sargento, a polícia anunciou que o inquérito seria reaberto

– Um Inquérito Policial Militar também vai investigar as denúncias

AS DENÚNCIAS

– O sargento Roberto Flavio da Silveira e Souza atuava na equipe de socorro dos bombeiros, atualmente não está trabalhando. Era sócio da Hidramix

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– O Inquérito Policial Militar (IPM) sobre a boate Kiss indiciou o sargento por falsidade ideológica e por exercício ilegal da profissão ou atividade, mas o Ministério Público arquivou o caso

– O IPM recomendou que ele fosse submetido ao Conselho de Disciplina da BM. O parecer do conselho foi pelo afastamento do sargento da BM. O Comando-Geral da BM reiterou a decisão

– Um último recurso foi encaminhado pela defesa ao governador do Estado, que é a última instância no processo e quem assina a exoneração

– O policial militar já havia sido alvo de duas investigações em 2011 e concluídas em 2012 por exercer atividade de administração de empresa privada. Nesse caso, foi arquivada uma e considerada justificada a conduta em outra

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