O debate sobre a reforma política parece ainda longe de acabar. Embora a pauta não seja novidade para os políticos e tampouco uma recente reinvindicação por parte dos cidadãos, ela ganhou destaque nos últimos meses em virtude das manifestações populares que ocuparam as ruas em junho deste ano.
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Depois de uma polêmica – e por ora fracassada – tentativa do governo federal em emplacar um plebiscito para discutir o tema, projetos antigos foram desengavetados e novos foram elaborados prevendo alterações no sistema político brasileiro, sobretudo com relação aos pleitos. O ”Eleições Limpas”, encabeçado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em coautoria com outras entidades jurídicas e organizações da sociedade civil, é um deles. Protocolada na Câmara dos Deputados neste mês, a proposta tem chances de ser apreciada pelos parlamentares ainda este ano e entrar em vigor em 2014.
Em visita à Florianópolis, Cézar Britto, ex-presidente da OAB e atual presidente da Comissão de Reforma Política da entidade, participou na noite de quinta-feira de um debate sobre a reforma. O encontro integrou um ciclo de palestras realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRESC) com início em agosto e com término previsto para outubro.
Britto explicou os objetivos da campanha, afirmando que as principais propostas da campanha são acabar com financiamento privado de campanha, valorizar as ideias em vez dos candidatos e proporcionar maior participação da população na vida política. Também disse que as propostas que circulam no Congresso são ”periféricas” e não incidem sobre os problemas fundamentais do processo eleitoral (incluindo as eleições municipais, estaduais e federais unificadas e reeleições).
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Diário Catarinense – Quais são os pontos centrais do projeto Eleições Limpas?
Cézar Britto – Falar sobre a importância da política na nossas vidas. Política é vida. Preço do salário mínimo, habitação, IPTU, serviços públicos. A politica não pode ser confundida com politicagem nem com apropriação privada do espaço público. Nosso projeto procura apontar pontos fundamentais para reforma política. O primeiro deles é a proibição de financiamento privado em campanha, que não pode ser confundida com instrumento econômico. Atualmente cada pessoa pode doar até 10% de seu rendimento do ano anterior. Um rendimento de R$ 1 bilhão poderia reverter em R$ 100 milhões para financiamento de uma campanha, um valor muito alto. Propomos o estabelecimento de um teto de R$ 700 por pessoa física. O segundo ponto é valorizar as ideias e não apenas os candidatos durante as eleições. Assim evitamos que celebridades despreparadas ocupem cargos públicos apenas por serem estimadas pelo povo. O terceiro ponto é o fortalecimento da democracia participativa. Camadas elitistas dizem que o povo não sabe votar, mas nós acreditamos no oposto. Propomos facilitação para convocação de plebiscitos e referendos.
DC – Mas com o fim do financiamento privado, as campanhas não irão onerar demais os cofres públicos?
Britto – Hoje o gasto público com financiamento eleitoral já é altíssimo. O que nós propomos é um fundo específico para eleições. Queremos que parte do orçamento seja destinado para divisão entre os partidos, uma divisão democrática e transparente. Se o financiamento público junto com o limite de R$ 700 entrarem em vigor, as campanhas serão menos coloridas, menos espalhafatosas e mais concentrada nas ideias e nas propostas.
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DC – E o senhor acredita que este projeto será deliberado em breve no Congresso?
Britto – Nós estamos fazendo todos os esforços possíveis para que ele seja apreciado dentro do prazo para que possa valer já nas eleições do próximo ano. Já temos 140 parlamentares apoiando. Na próxima semana iremos realizar um café-da-manhã com os parlamentares para que eles já assinem o projeto.
DC – E sobre o grupo de trabalho da reforma política instalada na Câmara Federal em julho? Ela pode promover resultados concretos ou seria apenas uma forma de acalentar o povo?
Britto – Infelizmente grande parte da classe política pensa mais nas próximas eleições do que nas próximas gerações. Os partidos querem saber quais os ganhos políticos que terão com essa reforma. Os projetos que estão sendo discutidos ali são meramente periféricos e não apresentam nenhuma modificação profunda. A verdadeira modificação só acontecerá quando forem removidos os verdadeiros causadores da corrupção. Este é o grande problema a ser tratado.
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DC – Quanto às propostas de unificar as eleições (municipais, estaduais e nacionais) e sobre fim da reeleição: são também temas periféricos?
Britto – A unificação das eleições tem a desvantagem de não permitir que o povo, de dois em dois anos, questione seus governantes. Por que não de dois em dois anos questionar os partidos políticos? Unificar tudo num eleição só despolitiza. Às vezes se concentra atenção à eleição de presidente da república e não vê importância na eleição de governador e de prefeito. Quanto ao fim da reeleição, a OAB sempre foi contra isso. Acho razoável o mandato de cinco anos, mas isso implica em alteração constitucional, inviabilizando tal mudança para 2014. As propostas do nosso projeto, por outro lado, preveem apenas alterações que, em caso de boa vontade do congresso, poderia já valer para o próximo ano, pois não estamos discutindo alterações na Constituição.