O ex-presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fatma) e atual secretário de Planejamento do governo do Estado, Murilo Flores, desabafa sobre problema admitido por ele de retenção dos processos de autuação, que não se transformam em multas há três anos. As pastas ficaram represadas desde 2010, quando houve uma mudança no rito de análise.
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Em três anos, Polícia Militar Ambiental, nem técnicos da Fatma e da Secretaria de Desenvolvimento Regional conseguiram se reunir para analisar os processos nas regionais e nem na sede da fundação. Flores era o presidente da Fatma na época e responsável por elaborar o plano de um comitê interinstitucional que retirou dos fiscais o poder de multar.
DC – Como era a fiscalização quando o senhor assumiu a presidência da Fatma?Flores – Há quatro anos, a área de fiscalização praticamente não existia na Fatma. Era um setor absolutamente frágil. Sem preparo técnico. Boa parte dos técnicos exclusivamente de fiscalização não tinha nem nível superior. Não tinha nenhuma preparação de fiscal e não existia a diretoria de fiscalização. Existia duas de licenciamento, nenhuma de fiscalização.Ora, a área de fiscalização da área ambiental tem que ser muito forte. O que existia de mais consistência no Estado? A Polícia Ambiental. Até hoje, a maior parte em número de autuações é da Polícia Ambiental, não é da Fatma. Pegamos uma situação muito ruim. Então fundimos as diretorias de licenciamento para não aumentar custo. Voltou a ter só uma diretoria de licenciamento. Criamos a de fiscalização.
DC – Há quatro anos eram quantos fiscais?
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Flores – Esses números eu não vou te dar porque eu não sei. Mas eram poucos. Ainda são poucos. Mas mudou muito o perfil. O fiscal ia com papelzinho, anotava. A questão de papel tinha alto risco de uma ação inescrupulosa. Porque você pode pegar o papel, porque foram denunciados por empresários, e bota na gaveta e não põe no sistema. Enquanto não está no sistema, é passível de ser negociado. Então o que nós fizemos? Compramos palmtops para registrar o dano ambiental. Porque não tinha nada disso. O cara saia para fiscalizar muitas vezes sem máquina fotográfica.
DC – Como era comprovado o crime ambiental?
Flores – Esse era o problema. Quase todos os autos de infração que entravam na Justiça, a Fatma perdia. Por quê? Porque não tinha sustentação nenhuma. Você lia o auto de infração, como havia despreparo muito grande dos técnicos – alguns eram competentes, mas alguns eram despreparados – , não sabia qual era o crime que o cara tinha feito de tão mal que o cara tinha redigido. Agora, o valor da multa, ele chegava lá e punha (sic) R$ 500 mil. Só que aí o cara entra na Justiça, o cara não ia pagar R$ 500 mil e recorria ao inferno. Ele submetia à Justiça e ganhava. Sabia que qualquer juiz ia derrubar aquilo. Não se cobrava.Então você tinha uma realidade, volto a dizer que não se tinha um corrupção generalizada, onde o despreparo era muito grande. Fizemos a capacitação, criamos a diretoria, a tecnologia para dar mais modernidade ao sistema. Em 2010, o governador Luiz Henrique assinou o decreto criando um novo rito de fiscalização, que é um pouco da polêmica que está aí.
DC – Tem algum percentual desses processos cobrados?
Flores – Era ínfimo. Olha, pouquíssimas multas eram cobradas. Esse problema não é só de Santa Catarina, é no Ibama, nos Estados porque foi construído mal esse processo. Então, criamos o rito. O rito tinha alguns objetivos. Primeiro, uma coisa que o Luiz Henrique insistia muito e foi muito bem implantado no licenciamento: comitê. O rito fortalecia muito essa questão da materialidade para não cair na Justiça. Os que iam contra diziam que era só um indicativo e que ‘o senhor, como presidente, pode alterar’. Aí eu dizia, ‘tá bom, aí vocês dizem que a multa é de R$ 1 milhão e depois, pelos parâmetros, se constata que a multa é de R$ 100 mil. Aí eu altero a multa de R$ 1 milhão para R$ 100 mil. Quem é que vai acreditar que eu não levei propina? Ninguém. Nem a minha mulher’.
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DC – Por que os fiscais questionavam este rito?
Flores – No fundo tirava o poder deles de multar. Eles estavam acostumados a fazer assim. Era muito complexo por comitê. No licenciamento também não foi fácil. Mas o licenciamento, como o grupo era mais organizado, ele foi se adaptando às novas regras. Então o rito de licenciamento está sendo plenamente utilizado. E a fiscalização, como era uma área frágil e com técnicos, grande parte deles sem preparo para a função, alguns que não deveriam nem estar ali por não ter nível superior que a função de fiscal exige, então tudo levou a uma resistência maior. Era uma mudança para a qual eles não estavam preparados. E aí, houve uma falha na constituição desse rito, constatada lá por 2011.
DC – Que falha foi essa?
Flores – A falha foi que no rito, como tem dois órgãos, como são dois órgãos estaduais que autuam e como eu disse que a Polícia Ambiental é a maior autuadora, maior fiscal do Estado, nós propusemos ao governador e foi acatada pela área jurídica do governo, que o comitê fosse misto. Todas as autuações da Polícia Ambiental e todas da Fatma viessem para uma mesa. E um comitê formado por gente da Polícia Ambiental e da Fatma deliberasse sobre aquela autuação, valor da multa etc. etc.. Essa era a ideia. Fantástico teoricamente. Por quê? Porque um órgão fiscalizaria o outro. Ia dar mais transparência e segurança para a sociedade. Não funcionou porque não é fácil fazer um comitê com organizações com culturas diferentes.
DC – Mas eles não são obrigados a seguir o mesmo código florestal?
Flores – Mas as corporações não têm o diálogo como a gente imagina. Eu estava seguro que era a melhor coisa do mundo esse comitê interinstitucional. Mas não funcionou. De tudo isso, a falha foi aí.
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DC – Tinha algum tipo de rixa?
Flores – Sempre tem. Se tem até entre a Polícia Civil e a Polícia Militar, não vai ter entre a Polícia Ambiental e a Fatma? As corporações têm rixa. São concorrentes de alguma forma. Isso não funcionava. E não precisava ser interinstitucional. Foi um exagero. Se tivesse a polícia um comitê dela, a Fatma um comitê dela, mas o princípio da impessoalidade fosse mantido, perfeito.
DC – Por que o senhor não corrigiu em 2010?
Flores – Porque a gente passou o ano de 2010 inteiro e parte de 2011 tentando montar os tais comitês. Quando a gente percebeu que não ia funcionar, a gente tomou a decisão e criamos o comitê interno.
DC – Chegou a ser criado um comitê interno?
Flores – Chegou, claro. A informação que está sendo dita, que ficou parado, é falsa. Não é verdade. Nós pegamos tudo o que ia prescrever e começamos a tocar para a frente.
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DC – Isso foi quando?
Flores – No final de 2011. Em 2012, principalmente. Em 2012, o diretor André, que está lá ainda (o diretor de fiscalização da fundação André Ricardo de Oliveira Amaral), ele ficou encarregado de fazer isso. E ele ficou comandando o comitê. Orientamos todas as regionais. A ordem era: não pode prescrever nenhuma autuação. Tem e-mail, pode pegar ofício. Tá tudo lá. Tinha acumulado muito.
DC – Estranho, o André falou que estava parado desde 2010?
Flores – Ficou parado em 2010 e em grande parte de 2011. Ficou parado sim, porque o comitê do decreto, era um decreto do governador, tinha que cumprir, é quase lei. Não se cumpria. O que se fez foi pegar as autuações. O que ficou parado foi a valoração das multas. Em 2012 foi feito esse mutirão pegando tudo o que foi autuado em 2010 e 2011 e que o comitê não fez, começou a ser dado valor.
DC – Mas não estava descumprindo o decreto?
Flores – Correto. Eu mandei fazer um outro decreto para submeter ao outro governador, já o Raimundo Colombo. E este novo decreto, que não chegou a ser assinado até quando eu sai, porque no final do ano, por razões das eleições ano passado, não tinha como mandar para o governador um negócio que tinha efeitos na política. Infelizmente não concluímos isso daí. Porém, nós fizemos. O novo decreto ia validar o que tinha sido feito antes. O que nós estávamos fazendo antes: nós estávamos descumprindo o decreto.
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DC – Mas isso não poderia ser questionado na Justiça também?
Flores – Não. O novo decreto poderia validar. Como não é lei, é decreto do governador. O entendimento jurídico é de que poderia validar. Caso contrário, era cruzar os braços e deixar prescrever tudo. Nós tínhamos uma encruzilhada. A decisão foi uma decisão de responsabilidade. Faz, mesmo que o decreto diga diferente. No novo decreto, o governador valida o que foi feito para trás por interesse público. Ou a gente contrariava o decreto, ou a gente prescrevia. O que era pior? Contraria porque não era grave.
DC – Mas então já estava pronto o decreto?
Flores – Quando eu deixei a presidência da Fatma, tinha um decreto pronto. E fundamentalmente mudava essa questão do comitê. E como o comitê interno de licenciamento funcionou, a gente acreditava que o comitê de fiscalização funcionaria também.
DC – O senhor não teme, caso o governador não venha a assinar este decreto, que todo o trabalho de 2012 seja perdido?
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Flores – Seria de qualquer jeito né. Tinha um decreto que determinava um procedimento. Esse procedimento não funcionava. Qual era a alternativa? Deixar prescrever ou ter um outro procedimento e propor ao governador que ele validasse?
DC – Quando ficou pronto esse decreto?
Flores – A versão que nós enviamos foi no fim do ano. Novembro ou dezembro.
DC – Por que esse tempo desde que começaram a valorar de novo, em 2011, até a formalização do decreto?
Flores – Tinha mil divergências. Sabe aquele negócio de ficar aperfeiçoando, aperfeiçoando. Eu tinha uma preocupação só: mudar o comitê interinstitucional para o comitê interno. Mas os técnicos da fiscalização quiseram aproveitar já que o governador ia assinar um novo decreto ajustar um monte de outros. O primeiro decreto foi ruim. O pessoal queria consertar. Ficaram discutindo consertos. Só que nas horas que era possível.
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