No dia seguinte à prisão na Operação Concutare da Polícia Federal, o ex-secretário municipal do Meio Ambiente Luiz Fernando Záchia (PMDB), que até então se mantinha relativamente calmo e falava de futebol com os demais presos do Presídio Central, desabou.
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Ainda não sabia do que estava sendo acusado especificamente seu advogado só conhecia a acusação genérica de “envolvimento em fraude na concessão de licenças ambientais”. O líder da galeria, Jorge Luiz de Oliveira Gomes, o Chacal, um ex-policial condenado por uma série de homicídios e que será libertado nos próximos dias depois de 36 anos, chamou-o para uma conversa em seu “escritório”, um espaço reservado, com banheiro e uma pequena cozinha, e aconselhou:
– Não chore na frente dos outros. Se quiser chorar, chore que vai lhe fazer bem. Mas chore longe dos outros, no meu escritório ou no banheiro, para não desestabilizar seus companheiros.
Na véspera, segunda-feira da semana passada, Záchia comportou-se como líder informal do grupo de 18 pessoas, detido no início da manhã. Tentou acalmar os mais nervosos, entre eles o então secretário estadual do Meio Ambiente Carlos Niedersberg (PC do B), e ajudou o grupo a decidir pelo alojamento no pavilhão E-2, junto com presos acusados ou condenados por homicídio, estelionato e outros crimes. Rogério Maciel, diretor-geral do Central, havia apresentado duas opções — essa e outra em que ficariam em celas menores, com banheiros em piores condições e sem vista para a cidade.
O grupo recebeu de Gomes a garantia de que não seria molestado. Foram tão bem tratados pelos demais que, na sexta-feira, antes de ir embora, fizeram uma reunião de despedida, com direito a discursos de Záchia e de Berfran Rosado (PPS).
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Essa e outras histórias foram contadas por Záchia na segunda-feira, na residência de um amigo, antes de gravar esta entrevista. Durante mais de duas horas, detalhou a chegada da PF em sua residência. Tomando chimarrão, chorou uma vez, enquanto relatava a entrada dos policiais em seu apartamento e a apreensão dos computadores da mulher e da filha.
Garantiu que jamais se envolveu com a concessão de licenças fraudulentas e afirmou ter prometido à mulher que está fora da política. Contou que ainda não conversou com o prefeito José Fortunati e disse o que pretende fazer agora, que está sem mandato e sem cargo público.
ENTREVISTA/Luiz Fernando Záchia (PMDB-RS)
Ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre e ex-presidente da AL gaúcha
“Estou fora da política”
Como foi a experiência no Central e que lições o senhor apreendeu?
Luiz Fernando Záchia – Ninguém gosta de ter a sua casa invadida, de ter suas coisas mexidas e recolhidas sem saber o porquê. Só fui ter as informações quase 48 horas depois, num processo de absoluta tortura psicológica, vivendo um momento incomum, nunca vivenciado, sem informação, sem as melhores condições. Depois, no depoimento, soube quais eram as dúvidas que havia nesse encaminhamento e, com toda tranquilidade, pude dirimi-las. Fiz um depoimento de cinco horas dando todas as informações possíveis e precisas que podia dar naquele momento e sob aquelas condições, porque são condições muito atípicas: você dorme pouco, está dentro de um presídio, numa situação completamente injusta. Há uma revolta, uma indignação, mas com uma vontade de colaborar. Fui dando todas as informações e continuo dando. Não tenho nada a temer. Tenho tranquilidade absoluta.
O senhor já tem clareza das razões da sua prisão?
Záchia – Me parece que a PF tinha uma visão de que era uma grande rede, de que havia muitas ligações com diversos setores que tratam da questão ambiental no Estado, e aí talvez pudessem incluir a cidade de Porto Alegre nisso. Com o passar do tempo, com as investigações e com os depoimentos, ela começa a esclarecer isso. Quando fui interrogado, todos os questionamentos solicitados foram, prontamente e de maneira objetiva e precisa, respondidos. Alguns, consegui até mesmo em condições impróprias. Foram levados até documentos sobre uma viagem que, supostamente, teria sido ofertada por uma consultoria, o que não foi. Provei que foi pago pela prefeitura, que eu saí num ato oficial, fui palestrar em um congresso em Madri.
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O senhor foi a Madri a convite do Instituto Biosenso?
Záchia – O Biosenso fez com que o Congresso Nacional do Meio Ambiente (Conama) me convidasse para ir a Madri, por meio da relação profissional que esse instituto tem com o Conama, mas com as despesas pagas pela prefeitura de Porto Alegre. Eles simplesmente indicaram alguém que poderia falar, e o case apresentado por mim era a revitalização da orla do Guaíba. As despesas de viagem foram pagas pela prefeitura e, da hospedagem e da alimentação, pagas pelo servidor Luiz Fernando Záchia, que recebeu da prefeitura diárias para fazer isso.
Há uma informação de que os senhores teriam discutido a possibilidade de assistir a um jogo do Real Madrid. Houve um convite para esse jogo em Madri?
Záchia – Não. Na verdade, foi gravado um telefonema meu para uma pessoa que foi na viagem, e haveria a coincidência nesse período lá na Espanha. Veja: eu saí de Porto Alegre na terça, cheguei na quarta-feira, regressei na sexta e cheguei a Porto Alegre no sábado. Na quarta ou na quinta, em um desses dois dias, o Real Madrid faria um jogo à noite, portanto em horário de absoluta atividade social. Mas não fomos ao jogo, fomos jantar em um restaurante.
Entre as razões para a prisão do senhor, fala-se na discussão de licença para uma empresa que quer construir em área de Mata Atlântica. O senhor pode explicar de que se trata essa discussão?
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Záchia – Não sai em Porto Alegre, há cinco anos, nenhuma licença para construir em área de Mata Atlântica. Há cinco anos. Não é privilégio do Záchia, assim foi com os secretários anteriores. Há uma discussão interna, técnica, de uma legislação federal. Há um desentendimento, por parte não só dos técnicos da Smam, mas de todos os envolvidos na questão ambiental. Hoje, por parte da Fepam, foi dada à Smam a condição de ser responsável pelo licenciamento de Mata Atlântica em Porto Alegre, em áreas de até cinco hectares. A Smam solicitou, a exemplo de outras cidades, que fosse estendido para 50 hectares, porque as áreas que hoje estão tramitando há cinco, sete, oito anos na Smam, são áreas de mais de cinco hectares e menos de 50. Então, teríamos de ter a autorização da Fepam para que pudéssemos licenciar áreas de até 50 hectares e, aí, posteriormente, avançaríamos na questão técnica.
Mas, no caso da Cervieri Engenharia, houve alguma pressão sobre o senhor para que se mudasse a legislação para permitir licenciar esses empreendimentos?
Záchia – Não. O que houve, e não só por essa empresa, mas por diversas empresas, foi a pressão para que a Smam defina as regras. Hoje, não se tem regra. Eles têm a área e não sabem se podem ou não podem construir.
Se algum empreendedor lhe procura para fazer alguma intervenção em relação à concessão de uma licença, como o senhor procede? Pega o número do processo? Záchia –O processo dos licenciamentos é muito ruim, lento. Não dá condições para que o empreendedor tenha informações. Eu recebia de quatro a cinco empresários por dia, que me davam o número do processo para saber em que situação estava. Pelas relações que tenho, e felizmente as tenho com diversas pessoas, ligavam me pedindo para saber como estava. Eu dava a informação porque o objetivo é a celeridade, mas não a ilegalidade. Eles não estão pedindo uma vantagem, e sim onde está o processo.
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O senhor fez alguma gestão em favor da Multiplan para facilitar a ampliação do BarraShoppingSul?
Záchia – A Multiplan está apresentando um projeto, e a audiência pública ocorreu no dia 1º de abril, de um empreendimento ao lado do Barra, conhecido como as cocheiras do Jockey Club. Ali, vai sair um grande empreendimento, com prazo de execução de 10 anos. O processo recém está começando. Não está nem na Smam.
Há a informação de que o senhor, em conversa com representante da Multiplan, teria comentado que não permitiria a derrubada de uma figueira no processo de ampliação do Iguatemi, no caso, um concorrente do Barra. Qual é a sua versão?
Záchia – A versão é a que certamente deve estar na degravação (das conversas gravadas pela PF com autorização judicial). É uma conversa com um diretor da Multiplan, amigo pessoal, que tem responsabilidade muito grande nas suas atitudes. Fazíamos um comentário sobre mercado, o que é natural. Ele fez um comentário que o Iguatemi está pedindo para cortar uma figueira. Disse que ficasse tranquilo, que a lei é muito clara, ninguém vai autorizar o corte de uma figueira centenária. O próprio Iguatemi sabe disso e desistiu do pedido.
O que são os R$ 20 mil que a Multiplan teria repassado para o senhor?
Záchia – A Multiplan foi uma das patrocinadoras do 2º Fórum Internacional de Mudanças Climáticas, realizado no dia 23 de abril, num hotel da cidade. Foi um absoluto sucesso, teve o apoio da Smam, mas foi feito por um instituto com credibilidade, competência, que não está envolvido nesta operação. Foi solicitado à Multiplan apoio logístico, financeiro através de um patrocínio, que tem nota fiscal, dado para o Instituto Ilades. Nota fiscal número 239, emitida em 1º de abril de 2013. Esse seminário foi um ganho para a cidade, evidentemente que a Smam tinha interesse. Agora, dizer que estou levando R$ 20 mil tem uma diferença muito grande.
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Houve algum pedido de intervenção em favor da empresa Omegapar?
Záchia – Não conheço, não ouvi falar. Fui questionado pelo delegado e hoje (segunda-feira) liguei para a secretaria para saber do que se tratava. É uma empresa que entrou com um pedido de licença. A Smam solicitou laudo de cobertura vegetal há quase um ano e essa empresa não apresentou o laudo. O processo está parado. Qual foi o pior momento? Záchia – O pior momento foi a chegada da PF, a maneira como chegam na sua casa. Depois fui para o Central, onde tive lições de solidariedade e de respeito. Não quero que ninguém vivencie isso, mas, já que vivenciei, talvez tenha aprendido muito mais do que bons semestres nas universidades. Hoje, lá é um cemitério de mortos-vivos. O poder público tem de olhar para eles. Alguns são tratados como bichos. Estávamos numa situação melhor, mas tu não podes imaginar que alguém vai sair recuperado. Na nossa ala, tinha um médico. Ele passava o tempo todo olhando para a janela porque não teve autorização para exercer a medicina lá dentro. Tem muitas coisas que precisam ser revistas.
Por que o senhor guardava dinheiro em casa e não no banco?
Záchia –Primeiro que não era muito dinheiro. Tenho conta-salário no banco e tinha uma outra, mas tive um processo judicial que teve declarada uma penhora online. Por orientação jurídica, eu retirei (o dinheiro) para que pudesse ter os recursos na minha casa. Mas os valores não eram muito altos. E tenho uma atividade comercial extremamente intensa, e isso foi comprovado junto à PF, aos finais de semana. Então, tinha a arrecadação de sexta, sábado e domingo, cujo depósito bancário seria feito na segunda.
O senhor tem condições de explicar a origem desse dinheiro e a compatibilidade com a sua renda formal?
Záchia – Sim. É importante que as pessoas saibam que o valor era menor do que a minha renda familiar de um mês. Vi que teve gente que foi presa com não sei quantos mil. Eu não. É menos do que eu, a minha esposa e a minha filha ganhamos num mês de trabalho.
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O senhor recebeu solidariedade dos seus colegas de partido?
Záchia – Alguns sim. São amigos queridos. Outros ficam constrangidos. O constrangimento é muito grande. Talvez nos primeiros dias queiram nos deixar descansar com a família. O vice-prefeito Sebastião Melo tem sido incansável e temos conversado por telefone. A gente sabe como funciona isso. Com o tempo, isso vai se esclarecendo e as pessoas vão fazer o julgamento certo.
Como fica sua vida agora?
Záchia – Tenho uma empresa. Vou me dedicar a ela e vou retomando as atividades profissionais. Sobre a questão política, fiz uma promessa para a minha mulher. Prometi que estou fora. Tenho de respeitar as pessoas que são mais fiéis nesse momento de dificuldade e não tenho mais cabeça para isso. Vou seguir militando no meu partido, mas não vou mais concorrer nem participar de governos. Teve uma noite que dormi muito mal. Fui político, presidente da Assembleia, secretário de Estado, mas fiz muito pouco pela questão prisional. Os presos têm de pagar a conta, mas têm de ser reintegrados. Hoje, têm expectativa de vida zero. Isso me incomodou. Eu poderia ter ajudado, pelos cargos que ocupei.
O senhor está tomando medicação ou fazendo terapia?
Záchia – Medicação não, só as mesmas que já tomava antes. Terapia, a doutora Suzana Záchia, minha mulher, tem sido uma terapeuta maravilhosa. Acredito muito na verdade. A verdade vem ao natural. Nesse momento, tu consegues ver quem é teu amigo. E isso é gratificante. Tem outros de quem eu esperava mais, que se calaram. Mas cada um reage da sua maneira. Tem quem pense: “Será que ele realmente cometeu aquilo?”. Isso é o que me dói.
O senhor já conversou com o prefeito José Fortunati?
Záchia – Ainda não. Mas vou conversar, na hora certa.
O senhor guarda mágoa dele?
Záchia – Não. Ele foi pego de surpresa. Imagina alguém ligar e dizer que está prendendo teu secretário. Isso deve ser duro para qualquer um. Ele me conhece, mas tem o direito da dúvida. Vamos ter tempo para conversar.
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