Com uma vida que lembra roteiros de filmes como Karate Kid ou Na Natureza Selvagem, com uma pitada de tragédia tipicamente brasileira, o gaúcho Paulo Roberto de Oliveira, hoje com 62 anos, viveu nas ruas como engraxate, rodou cidades, estados e países, aprendeu a falar sete línguas para garantir seu sustento, além de ter tido um grande amor e filhas. Mesmo assim, chegou a dizer que nada dava certo em sua vida. Separou-se, não teve sorte nos negócios, voltou a morar na rua. E quando tudo poderia ficar obscuro, se esforçou, passou no vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e recomeça a vida depois dos 60, no curso de Letras em Espanhol.
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Paulo nasceu em Porto Alegre e aos dois anos foi abandonado pela mãe. Ela não tinha condições de criar uma criança aos 18 anos. O largou com uma família de militares. Até os nove, Paulo teve uma educação rígida. Depois disso, escutou que sua família de criação não tinha mais condições de criá-lo.
— Naquela época, militar não ganhava tanto como hoje, com tantos benefícios — lembrou Paulo.
Decidiu ganhar as ruas. Arranjou um caixote e virou engraxate. Também vendia balas no ônibus.
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— Dormia onde dava. Costumava procurar um lugar onde desse para encostar as costas. Pra tomar banho, dava um jeito na praia, rio, banheiro público, posto dos bombeiros — contou.
Também largou a escola. Na adolescência, vendia miçanga, pecinhas de cobre e já entrava em ônibus para se jogar viver no litoral. Veio para Santa Catarina, Florianópolis — cidade onde sabia que sua mãe havia nascido. Mas não durou. Foi para Curitiba, subiu mais, deu um rolê por estados do Sudoeste, e voltou para o RS porque precisava se alistar.
— Mas fui rejeitado. O general disse que eu tinha pé chato, por conta de um ossinho para fora. Disse que eu não daria conta de marchar e andar muito. Justo eu, que perambulava pelas cidades cerca de 50 quilômetros por dia — brincou.
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Foi na volta a Porto Alegre em que conheceu um japonês que mudou sua vida. Virou seu mestre, um segundo pai. O ensinou karatê (hoje ele é faixa preta), a língua japonesa, e o incentivou a voltar a estudar. Até os 19 anos, Paulo era analfabeto. E foi assim que ele percebeu que tinha aptidão para se comunicar em diferentes idiomas e resolveu aproveitar isso para conseguir trabalhos como vigilantes e motorista.
Mundo afora
A vida o levou para tudo o que é lugar, com a ajuda do japonês Taniguchi. Paulo ajudou o imigrante a cuidar de academias da arte marcial em São Paulo — lugar onde morou quase 20 anos —, Curitiba, e por conta de sua influência, trabalhou até no Japão no final da década de 1980. Quando o país proibiu o trabalho para imigrantes, ele foi para a Coreia do Sul, China, e seguiu ainda para a Europa, onde trabalhou em restaurantes na Itália, Espanha e Portugal.
— Minha experiência na rua me ajudou a identificar que o melhor lugar para se pedir emprego era em restaurante. Lá tinha comida e os donos, depois de um tempo, sempre te davam um lugar para dormir — contou.
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Hoje, o ex-morador de rua e mochileiro fala sete línguas, incluindo o português: japonês, coreano, mandarim (chinês), espanhol, italiano e inglês — essa última, aprendeu no Brasil, nas ruas.
Amor em Tubarão
No meio de uma vida tão movimentada, Paulo procurou a família de sua mãe, que era nascida em Floripa mas com parentes no Sul de SC. Aos 20 e poucos, descobriu que tinha mais irmãos espalhados por aí.Mas foi em Tubarão que ele formou sua própria família. Conheceu sua ex-mulher e teve duas filhas. Entre idas e vindas, viagens e “tempos”, Paulo admite que era melhor que a mulher e as filhas vivessem com a família delas no Sul do Estado, do que com ele.
— Eu disse para ela que era um zero à esquerda. Nada dava certo para mim — disse, ao falar das academias de karatê que faliam com o tempo e da frequente falta de grana da família.
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Segunda chance
Mesmo com a idade batendo na porta e as dificuldades econômicas, Paulo não se intimidou para tentar o vestibular para a Federal de SC. Somente na quinta tentativa, em 2014, que ele teve sucesso: virou calouro do curso de Licenciatura de Letras em Espanhol e se mudou de vez para Florianópolis. Outro porém o ameaçava: a pobreza. Ele não tinha onde morar e dormia em cantos da UFSC, enquanto fazia aulas.
— Os vigilantes já me conheciam. Dormia em bancos, perto do restaurante, até em sala de aula dormi. Hoje consegui um quarto na moradia estudantil, depois de muito brigar — contou ele, que mora até hoje no local.
Depois de quase três anos estudando, ele ainda enfrenta a dificuldade de quem era analfabeto até os 19: tem facilidade em se comunicar, mas escrever, ainda é um parto. Mas sabe como é. Paulo é brasileiro e não desiste nunca. Está lá, a espera para fazer os três semestres que ainda lhe faltam de curso e se formar.
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Outro orgulho é ver ainda uma de suas filhas, de 21, estudar na UFSC. Atualmente, enquanto estuda, Paulo também tem um emprego fixo como vigilante — fruto de sua faixa preta do karatê — em uma loja do Centro de Floripa. O futuro? Assim como foi sua vida inteira, ele não sabe. Mas sonha em voltar para a China.