Dona Maria chora. Seca os olhos verdes marejados com os dedos que por quase três décadas embalaram as peças da empresa em que amava trabalhar. Era na Sulfabril que tinha em Blumenau o que considerava parte da família. Foi lá que teve a primeira chance de emprego estável na vida.
Continua depois da publicidade
Os parentes de sangue ficaram em Tijucas no início da década de 1970, mas foi na Rua Itajaí que encontrou o afeto dos colegas de trabalho que, muitos, tornaram-se amigos da vida inteira. As lágrimas são carregadas de ressentimento e saudades. Há mágoa pelas promessas não cumpridas do chefe que, lembra bem, chorou ao dizer que a empresa iria fechar e que garantiu que todos os funcionários seriam pagos. O salário de setembro de 1999 nunca chegou e ela nunca mais o viu. Lembra-se bem o que veio depois: dívidas e ajuda alheia com as cestas básicas doadas até conseguir outro trabalho.
Há saudade da empresa que tirou o ganha-pão, que tornava possível a compra de comida e carne por preços mais justos por meio da cooperativa, que vendia roupa barata a quem tinha tão pouco. Sente pelo lugar que tinha prazer em estar às 5h, apesar do coração partido em deixar as bebês gêmeas pequenas em casa. Foi trabalhando na Sulfabril que casou, teve as filhas e comprou a casa própria. Mas não há ressentimento que supere as lembranças boas.
– Era todo mundo uma família. Não tenho do que reclamar. Apesar do que aconteceu no final, foi sempre uma empresa muito boa. Fico muito triste pelo fim dela – conta Maria da Conceição Vieira, 66 anos, que recebeu até hoje apenas 15% de tudo o que tem direito.
Talvez não sejam todos, mas são muitos os funcionários da têxtil que nutrem intenso carinho pela empresa, apesar de tudo. Prova maior desse sentimento foram os que aceitaram a recontratação mesmo após a falência. Davi João Schneider acreditava que era possível reerguer a Sulfabril. Entrou aos 17 anos como aprendiz de torneiro mecânico. Como titular do posto ficou 28 anos.
Continua depois da publicidade
Leia também
::: Justiça aceitará propostas de compra
::: Fechamento da fábrica deve facilitar venda
Apesar de ver o agravamento da situação da empresa, que no final do ano passado já tinha passado por problemas para pagar os funcionários, ainda tinha esperança que o quadro mudaria. Quando a carta de demissão chegou, custou a acreditar que teria de deixar o lugar que mantinha amigos, onde trabalhou para comprar a casa própria, aproximou-se da, hoje, esposa, e criou os dois filhos.
Na quinta-feira, quando foi fazer o exame demissional, freou a caminhada para o médico. Foi duro ver a produção às escuras e ouvir o silêncio das máquinas que ajudou a consertar. Schneider é corredor junto com outros cinco amigos de trabalho, todos patrocinados pela Sulfabril há 17 anos. Fizeram a última corrida carregando a marca da empresa na sexta-feira.
– Ainda não sei se a gente vai correr junto daqui pra frente. Vai depender mais de patrocínio – conta Schneider.
Veja também
::: Unidade operacional da Sulfabril vai a leilão
::: Sétimo leilão do ano Sulfabril coloca R$ 12,77 milhões à venda
::: Marcas da Sulfabril não têm interessados em leilão
::: Na véspera de completar 15 anos de falência, Sulfabril tem unidade de Ascurra vendida
::: Unidade de Rio do Sul é vendida
::: Imóvel de Gaspar da Sulfabril é arrematado em leilão
::: Sulfabril terá três leilões em duas semanas
Na quarta-feira, dia das demissões, as costureiras recusaram o abraço. Foram embora com o choro contido de quem não aceitou o destino da Sulfabril. Ivanilde Coradine Nicoletti, funcionária por 29 anos, não quis se despedir das colegas. Nem elas dela. A maior parte das costureiras tinham trajetórias de dois dígitos na Sulfabril. A carta de demissão foi a concretização de que a esperança que nutriam não mais razão de existir. E passar pela segunda vez por aquela situação não estava nos planos:
Continua depois da publicidade
– Foi muito difícil. Muito triste. A gente, o professor Celso (síndico da massa falida), todo mundo queria que a empresa se recuperasse.
A memória afetiva à Sulfabril está também em quem o destino não poupou de tomar a ingrata decisão de julgar necessário o fechamento da empresa. Quitéria Tamanini Vieira Peres não esqueceu da ajuda quando ainda era uma estudante de Direito da Furb. Hoje titular da 1ª Vara Cível e responsável pelo processo de falência, lembra da bolsa-auxílio que recebeu quando trabalhou na empresa no começo da década de 1990 como contribuição importante para concluir a graduação.
– Depois atuar fora, desejei muito voltar para Blumenau. Quando soube que viria para a 1ª Vara Cível, todos me diziam que era a “Vara da Sulfabril”. Mas nós temos 7 mil processos – conta Quitéria.