Talvez nem mesmo Paulo Baier imaginasse que, aos 40 anos, ainda conseguiria fazer diferença no futebol. A marca, que praticamente se tornou uma extensão do sobrenone (“maior artilheiro do Brasileirão na era dos pontos corridos”), o desempenho – dois gols e duas vitórias em dois jogos no Campeonato Gaúcho – e a grife do jogador estão transformando Erechim em uma cidade mais fanática por futebol. Desde sua chegada, depois da dispensa do Criciúma por falta de orçamento, o Ypiranga multiplicou seu público, sua venda de camisetas e, o mais importante, sua pontuação no Gauchão.

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Os valores de sua contratação são conflitantes. Pessoas ligadas ao clube afirmam que o investimento no camisa 10 passou dos R$ 150 mil para a disputa do Estadual. A direção, por outro lado, garante que não chega a R$ 100 mil.

Aparentemente, porém, pouco importa. Tudo indica que a despesa será paga em menos tempo do que se previa.

As 300 primeiras camisetas personalizadas com seu nome, vendidas a R$ 100, esgotaram-se em sete dias. Outras 700 estão sendo confeccionadas. O jantar de apresentação do atleta teve todos os 200 ingressos comercializados, a R$ 200 cada. Na próxima semana, um novo evento será feito. A ideia é criar uma atração a cada 15 dias.

Nas ruas, a cidade – que pouco se ligava no time -, aos poucos, toma gosto por ir ao estádio. Na quarta-feira à tarde, havia procura por entradas para o jogo contra o Avenida, marcado para as 17h deste domingo. Espera-se mais de 5 mil pessoas no Colosso da Lagoa. Cinco vezes mais do que o público em um jogo da era pré-Baier.

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Presença de Paulo Baier aumentou média de público do Ypiranga

Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS

Paulo Baier acorda cedo. Quase sempre, antes das 7h já está tomando café. Come frutas, uma fatia de pão com queijo e bebe suco. Quando sai da sala de refeição, senta no hall e lê o jornal. Antes das 9h, já está de volta a seu quarto.

Nas duas semanas em que está jogando no Ypiranga, esta foi sua rotina. E durante o tempo em que permanecer em Erechim, provavelmente continuará sendo. O camisa 10 “mora” no hotel Harbor, na região central da cidade de 100 mil habitantes. Seu quarto não tem muito luxo: cama, banheiro, TV a cabo e WiFi. Mesmo assim, é lá que passa a maior parte do dia.

Depois do café da manhã, volta para o quarto. Se não tem treino, permanece até a hora do almoço. Então vai com seu carro até o Colosso da Lagoa, onde está localizado o restaurante que recebe jogadores e comissão técnica do Ypiranga. A refeição também é leve. Come um prato de alface, tomate e outros legumes com um frango e, eventualmente, um pouco de massa. Desde que chegou, pelo menos, não se deliciou com os espetos de diversos cortes bovinos e suínos. Pede sempre um suco de laranja e uma garrafa de água com gás. Paulo Baier não toma refrigerante.

No hotel, é classificado como discreto. Longe de mau-humorado, ou deselegante. Apenas tímido. Cumprimenta o pessoal que trabalha, mas não é de fazer brincadeiras.

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Assim como no vestiário. Ri com os companheiros, é claro, mas não é dos mais extrovertidos. Não capitaneia a farra tradicional de um grupo que está acumulando vitórias. Capitaneia o time. E a história de como recebeu a faixa simboliza sua importância para o clube.

Na preleção para o jogo contra o Aimoré, estreia de Paulo Baier, o técnico Leocir Dall?Astra entregou a braçadeira de capitão a Jean Paulo, que ocupava o posto há mais de ano. O jogador, então, levantou e entregou ao camisa 10. Baier estranhou, tentou recusar, mas um argumento o convenceu:

– Tu és a referência do time agora, és parte do projeto do Ypiranga, és o mais vitorioso aqui, e o clube investiu em ti para este ano, como investiu em mim para a Divisão de Acesso do ano passado. Além disso, és também o mais velho – disse o ex-capitão, arrancando risadas e aplausos dos companheiros. Foi impossível recusar.

Agora atacante, jogador logo virou capitão do time

Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS

O estilo de comandar o time em campo também reflete sua personalidade. Baier não grita ou gesticula. Orienta.

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– Ele fala pouco, mas é na hora certa. Sempre tem aquela palavra que ficou faltando – derrama-se o técnico Leocir Dall?Astra, que é só elogios à estrela que garante não gostar de brilhar.

Paulo Baier se preocupa com o grupo, de uma forma meio paternal, até exagerada. À reportagem de ZH, perguntou se havia conversado com o restante dos colegas. Não permitiu fotos individuais no vestiário ou no hotel. Só concedeu entrevista após o treino, para não atrapalhar a rotina de trabalho. E mesmo assim, durante o bate-papo, frisava sempre que “era apenas mais um”, que “estava para somar” e que “o importante é o coletivo”.

E para valorizar o coletivo, Leocir Dall?Astra adaptou o time. Baier virou atacante, com liberdade de movimentação. Adiantou Jean Paulo a quase centroavante. Recuou o meia Preto para uma espécie de segundo volante avançado. Não sacrificaria seu maior jogador a uma tarefa de mais marcação. Não só pela idade ou pela questão física, mas, principalmente, pela qualidade.

– Se eu fosse ser bem sincero, talvez o Paulo não tivesse condição de jogar. Mas o talento dele, a habilidade, a colocação, a batida na bola, o conhecimento do atalho e, principalmente, a vontade que demonstra nos jogos e nos treinos, me “obrigam” a escalá-lo – comenta Dall?Astra.

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Experiência e muito trabalho no dia a dia do veterano

Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS

A amostragem do talento do ídolo de Atlético-PR, Goiás e Criciúma pôde ser percebida no treino tático de quinta-feira. Ocupando metade do gramado e divididos em três times de oito, os atletas só tinham permissão para dar dois toques na bola. Nas oito primeiras vezes em que recebeu e passou, encontrou algum companheiro livre. Errou o nono, um cruzamento interceptado pelo goleiro. Correu como se fosse um jogador comum, com a diferença que a experiência lhe permite percorrer menos espaços e ser igualmente participativo.

Paulo Baier está motivado. No dia em que foi contratado, tentou agilizar a regularização para enfrentar o Veranópolis. Não conseguiu. Imediatamente, colocou-se à disposição para a próxima partida. Foi treinar. Avisou que disputará todas as partidas, não importando se precisará viajar, de ônibus, quase 700km até Rio Grande e Pelotas.

Mas por que um jogador com mais de 100 gols em Brasileiros, endeusado por diferentes torcidas do país e nem sequer natural de Erechim está empolgado em disputar mais um Estadual aos 40 anos?

– Porque gosto de jogar bola. E sei que meu tempo está acabando, que a cada treino, a cada jogo estou cada vez mais perto de parar. Penso nisso há cinco anos. Mas quando vejo que ainda posso ser útil, continuo tentando. Eu gosto de jogar bola.

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