Por Flávia Requião*
“Sírio-brasileiro”, como hoje se define, ele se apresentou para os novos irmãos ao dividir sua história no Big Brother Brasil 18. Não saiu do programa com R$ 1,5 milhão, levou R$ 150 mil. Mas teve as portas escancaradas para outras tantas oportunidades em novas terras.
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Aos 29 anos, Kaysar Dadour vê um dos seus sonhos realizados ao estrear como ator na Globo. Refugiado sírio, quis o destino que ele estreasse em uma novela que tem o drama dos refugiados como tema central. Em Órfãos da Terra, o vice-campeão do BBB 18 interpreta o capanga Fauze, fiel escudeiro de Aziz (Herson Capri).
— Ele só enxerga a verdade pelo patrão, faz tudo o que manda sem pensar nem uma vez — conta Kaysar sobre a lealdade do seu personagem ao sheik.
Lealdade que será colocada à prova. Nesta semana, Fauze chegou ao Brasil com Aziz, ensandecido atrás de Laila (Julia Dalavia) e Jamil (Renato Góes). Mas o capanga acabará se revoltando contra o sheik, que levará um tiro e morrerá. Com isso, “quem matou Aziz?” promete ser o mistério de Órfãos da Terra.
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Assim como a ex-BBB Grazi Massafera abriu caminhos na teledramaturgia brasileira, conquistando o respeito como atriz, Kaysar mostra que não está no Brasil para brincadeira. De cara, revela potencial como ator, recebendo elogios em sua estreia, e estará no filme Carcereiros, com previsão de lançamento nos cinemas no segundo semestre. Neste papo, o refugiado não se cansa de dizer o quanto se sente grato ao povo que o acolheu. Prova disso é que Kaisar decidiu, na terça-feira, dar entrada no processo de naturalização, no Paraná, onde vive com a família. Longe do seu país em guerra, ele deixa um recado sobre o que realmente importa nessa vida.
*A jornalista viajou ao Rio de Janeiro a convite da Globo.

Você não voltou mais para Síria?
Não, não. Desde 2011.
Você sente vontade ou saudade de voltar pra lá?
Ah, claro que sinto saudade.
A sua família está toda aqui no Brasil?
Está toda aqui. Estamos morando em Curitiba eu, minha mãe, meu pai, minha irmã. É muito frio lá (no Paraná). Agora, fico indo e voltando. Tô aqui (no Rio de Janeiro) gravando. Depois, volto para Curitiba, vou e volto, vou e volto… O primo de minha avó mora em Curitiba, nasceu lá, e aí deu tudo certo.
No BBB 18, já foi uma loucura. Agora, você estreia como ator. O que passa pela cabeça depois de toda a sua luta para chegar ao Brasil?
Sabe que, às vezes, eu não consigo entender? Eu tento, mas não consigo, sabe? Tô muito animado, muito feliz, muito grato a Deus. Mas, às vezes, fico pensando como a minha vida mudou: da Síria para a Ucrânia, da Ucrânia para o Brasil. É muita loucura, né? Em 2018, entrei no BBB, mudou tudo também. O BBB foi uma das maiores mudanças na minha vida.
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Você se arrepende de alguma coisa?
Não. A vida passa. Ponto. O que aconteceu era para acontecer. Se acontecer alguma coisa, boa ou ruim, é da minha história. Tem que ser. Tá tudo escrito. Tem que aprender e não se arrepender. Você aprende com o erro que fez no passado para conseguir um futuro bom porque, se você ficar arrependido e não melhorar, vai ficar para atrás, vendo lá pra trás. Se errou, tem que se confessar com você mesmo, pedir perdão a Deus, porque o único que pode perdoar é Deus. E que seja sempre feliz e enxergue o lado bom da vida. Sem passado, não somos quem somos agora, porque o passado nos deixou chegar até aqui. No ano passado, entrei no BBB 18. Antes disso, era garçom e, antes, barman, recepcionista, vendedor… Tudo isso me deixou chegar onde estou agora. Por isso, tem que sempre olhar o lado positivo e agradecer a Deus por tudo. Não se pode reclamar, porque reclamar é muito fácil. Ficar deitado na cama chorando é mais fácil do que levantar e lutar.
Você pensava em ser ator?
Tinha essa vontade, pensava um pouco, mas nunca enfrentava isso. Depois do BBB, comecei a estudar muito, fazendo fono (sessões de fonoaudiologia), workshops e aí, graças a Deus, chegou o convite para fazer um teste. Primeiro, foi no filme Carcereiros (inspirado na série da Globo, do mesmo diretor, José Eduardo Belmonte, em que viverá um presidiário). E aqui (em Órfãos da Terra) fiz e consegui passar no teste.

Como foi a receptividade dos outros atores contigo?
Muito boa.
Não rolou preconceito por ser um ex-BBB?
Ninguém me falou nada pessoalmente. Todo mundo me tratou superbem, e sou muito grato a isso. Autores, diretores, elenco e a produção inteira: está todo mundo me ajudando e, no que eu puder, vou ajudar também. Tô aprendendo com todo mundo, porque é a minha primeira novela. Pergunto para aprender e recebo resposta sempre. Assim, vou crescendo e aprendendo mais. E não tenho vergonha de perguntar, não! Quem não pergunta não aprende.
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Você está sentindo dificuldade neste primeiro trabalho em novelas?
Tô muito ansioso, sim, confesso. Meu coração está batendo a “mil por segundo”. Quero que a minha mãe e meu pai me vejam. Todos que me acompanham e me apoiaram são meus irmãos. Não chamo eles mais de fãs. Sou muito grato a eles do fundo do meu coração.
Estás conseguindo levar algo da sua história para o Fauze?
Às vezes, tento não mexer como meu passado para não lembrar, mas o campo de refugiados (cenário da trama) mexeu muito comigo. Vêm umas lembranças pesadas, mas boas ao mesmo tempo. Mas o personagem não tem nada a ver comigo, porque é um capanga mau.
Você se considera totalmente adaptado ao Brasil? É a sua casa?
Sim, eu falo que sou sírio-brasileiro. Falo primeiro “sírio” porque sou de lá. Mas sou sírio-brasileiro com muito orgulho e grato a essa terra abençoada que se chama Brasil.
Com tantas coisas boas acontecendo contigo, quais são os seus outros sonhos?
Vou realizar logo, logo. Por enquanto, prefiro guardar pra mim. Tô lutando por ele (pelo sonho). Depois, vou falar. Mas quero fazer projetos com os animais, algo ligado ao tráfico de papagaios, de tartarugas… Quero deixar mais amor no mundo. Sou cristão, não tiro o meu crucifixo. Tenho tatuado o crucifixo nas costas também. Com muito orgulho, sou cristão.
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Com tudo o que vivesse, como o drama dos refugiados deve chegar a quem está assistindo à novela?
Tomara que as pessoas consigam ver o outro lado da vida: não é com guerra que as coisas se resolvem. Estamos aqui de passagem, não sei o que o ser humano pensa para fazer tudo isso. Não consigo entender. É triste. Tomara que essas guerras parem porque não resolvem nada. Tem que ter amor, paciência. As pessoas vão ver na novela um pouquinho da realidade que estamos passando na Síria. Refugiado é um ser humano. Não é o seu objetivo estragar o país dos outros. Infelizmente, com a guerra, tem que fugir da terra dele para encontrar um país onde tenha paz e amor para fazer uma nova vida. Em paz.
