Para o torcedor brasileiro, não existe árbitro honesto. Para os dirigentes, eles são sempre excessivamente rigorosos. Para os jogadores, o juiz é condescendente com a violência. Para a imprensa, mais vale discutir o erro na marcação de um pênalti do que o erro na cobrança. Mas eles – os árbitros – vêm dando munição aos críticos neste Brasileirão.
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Ao fim de cada rodada, seus erros são debatidos em mesas-redondas ou em rodas de bar. Já houve gol mal anulado na cara do árbitro adicional _ novidade deste Brasileiro – encenações melodramáticas premiadas com pênaltis (às vezes em faltas que ocorreram fora da área) e até um impedimento triplo não marcado.
O árbitro, contudo, é a peça mais frágil da engrenagem que movimenta o negócio. Assim como os gandulas, é o único personagem que ainda não tem a função regulamentada, carteira assinada. A remuneração independe da competência, mas da sorte de ter a bolinha premiada no sorteio da CBF. O clima no campo, as mães que o digam, é hostil. E nem os cartões ou apitos eles recebem da Confederação: têm de comprar. Para piorar, há o peculiar comportamento teatral do jogador brasileiro, que está longe de ter o fairplay de Miroslav Klose, da Lazio – quarta-feira, o alemão marcou um gol com a mão validado pelo árbitro, mas o avisou da irregularidade.
Confira o que ex-árbitros da Fifa – Arnaldo César Coelho, José Roberto Wright, Leonardo Gaciba e Renato Marsiglia – pensam sobre os pecados cometidos não só pela arbitragem nacional, mas também por quem a comanda.
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Qual o motivo do fracasso dos árbitros adicionais (os que ficam atrás do gol) do Brasileirão?
Arnaldo
É preciso regulamentar a função. Enquanto o cara ficar atrás do gol fazendo o que está fazendo, para mim é um vigia. Como um vigia que tive no meu prédio, Seu Manel. Um dia roubaram meu Fusca vermelho na frente do prédio e ele me ligou avisando. Perguntei para ele: pô, e você não gritou, não foi atrás do cara? E ele me disse : “Me desculpe Dr. Arnaldo, mas eu só vigio”. Assim eu vejo os árbitros ao lado das traves.
Wright
Isso foi uma ideia do Michel Platini (presidente da Uefa) que a Fifa, inclusive, era contra. Ainda está em teste. O negócio foi mal feito. Para começar, os árbitros adicionais não deveriam estar do lado do bandeirinha, mas do lado oposto para ter uma melhor visibilidade. O resultado prático,
real, é nenhum.
Gaciba
Não sei se é um fracasso. Existem acertos que não estão sendo mostrados. Todo mundo criticou o árbitro adicional que não marcou o pênalti do Gum a favor do Náutico, mas ninguém elogiou o Jean Pierre, que anulou o gol do Marcos Assunção de falta porque o Valdivia, impedido, atrapalhava o goleiro. O outro grandeerro foi o tempo de treinamento. Eles tiverem quatro horas, estão aprendendo
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durante a competição.
Marsiglia
Na Europa está funcionando porque os árbitros adicionais estão no mesmo patamar dos centrais, são todos Fifa. No Brasil, o árbitro principal é Fifa, e os adicionais são de nível muito inferior, às vezes acostumados à Série C. Eles se constrangem em desautorizar o árbitro central, que, por outro lado, tem receio de deixar na mão de um árbitro menos experiente uma decisão de bola na mão ou mão na bola.
Por que há critérios tão diferentes entre os árbitros?
Arnaldo
No Brasil, se o árbitro soltar o jogo, em 30 minutos a porrada come. O jogador brasileiro não está acostumado a levar um tranco. Na próxima jogada ele revida. Por que na Europa se marcam menos faltas? É o mesmo jogo duro, o mesmo jogo viril, mas o cara leva o tranco, cai no chão, levanta e vai embora. O jogador brasileiro, ao sofrer trancos pequenos, prefere quedas espetaculosas, e o juiz fica sem a opção de dar a vantagem.
Wright
O árbitro tem de aplicar a lei do jogo. O problema é que o árbitro, hoje, é preparado teoricamente e não praticamente. Por isso o árbitro brasileiro caiu assustadoramente de qualidade. Há uns anos, houve um debate entre os árbitros para que se marcassem menos faltas, para deixar o jogo correr. Mas o brasileiro joga fazendo falta, e se o juiz não marca, na próxima o adversário chega dando o troco.
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Gaciba
Respondo com outra pergunta: por que a qualidade técnica dos jogadores é tão diferente? O árbitro de futebol é semelhante ao jogador: uns têm mais talento, outros menos, uns deixam o jogo fluir, outros trancam. Depende muito da confiança, do estilo. E o Brasil é um país com dimensões continentais. A Fifa tenta padronizar, mas a cultura influencia. Se o árbitro apitar no Brasileiro da mesma maneira que apita na Libertadores, se quebra. Quando vão apitar fora, os brasileiros têm média de faltas marcadas menor do que a dos colegas sulamericanos.
Marsiglia
Apitar é um exercício permanente e exaustivo de bom senso. Porque a regra é muito subjetiva. Se aqui se apita mais falta do que na Europa, é porque no Brasil se faz mais falta. Não adianta ele deixar o jogo seguir e o pau comer. O jogo lá (na Europa) é mais leal, mais honesto. Não existe a tentativa permanente de tentar fraudar ou enganar a arbitragem.
Com exceção do Brasileiro de 2005, ano do escândalo de manipulação, este é o campeonato com o pior nível de arbitragem?
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Arnaldo
É. E isso é fruto dessa política que a Fifa adotou, priorizando a preparação física em detrimento da condição técnica, da vocação, do talento. Eles querem um cavalo para apitar e, com raras exceções, são pessoas sem bom senso e sem vocação. É muito mais fácil condicionar fisicamente um árbitro do que ensinar a apitar futebol e ter espírito de liderança um recordista dos 3.000m. O árbitro em que eles apostam é um policial inglês que corre 4,5 mil metros em 12 minutos, que apitava muito bem na esquina da Oxford com a Piccadilly (ruas de Londres). E eles transformaram essa pessoa (Howard Webb) em árbitro profissional. É um robô apitando.
Wright
Não é o pior, mas é um dos piores, sem dúvida. Não gosto de classificar por baixo, mas efetivamente muitos erros acontecem, e a renovação tem de ser feita de maneira mais objetiva. Acho que não se pode ter 10 árbitros de nível Fifa se não há 10 árbitros de qualidade Fifa. Existem indicações políticas. Antigamente, para se chegar no quadro da Fifa, era preciso competir com muitos
árbitros. Hoje, numa relação de 10 árbitros, há quatro com qualidade.
Gaciba
A cobrança é tão forte quanto, mas vejo a safra de 2005 mais preparada para a cobrança, que na época não era técnica. Os árbitros atuais não estão preparados para esse tipo de pressão técnica que eles estão sofrendo. A pressão está grande e os erros também.
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Marsiglia
Sim. Houve uma reformulação muito grande, necessária pelo limite de idade de 45 anos, e árbitros novos entraram, com muito menos experiência. Os erros começaram a aparecer e a pressão se tornou maior. E essa pressão acaba atingindo todos.
Profissionalizar é a solução para melhorar a arbitragem?
Arnaldo
Não sou a favor nem contra, os árbitros atuais já são profissionais. Um cara que ganha R$ 3,3 mil reais por 90 minutos (remuneração apenas de árbitros Fifa) já é um profissional. O cara que apitar um jogo por mês de R$ 3,3 mil ganha um salário muito acima da média do povo brasileiro. rofissionalizar não é a solução para a arbitragem.
Wright
Acho. O árbitro não tem o reconhecimento da profissão e ainda tem que ser sorteado para apitar. Como vão querer bons resultados? Como vão cobrar disciplina? Sempre tive contrato quando atuava, e nós tínhamos um percentual na renda do jogo que proporcionava ao árbitro uma taxa entre US$ 10 mil e US$ 15 mil. Atualmente, o árbitro ganha R$ 2 mil ou R$ 3 mil e perde 50% em impostos. É lamentável.
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Gaciba
Sim, mas não adianta transformar em profissional o árbitro, pagar R$ 5 mil por mês e R$ 200 por partida. O profissionalismo não deve ser implementado só na carteira assinada, mas na conduta com os árbitros, na estrutura e nos profissionais colocados à disposição para aprimoramento. Hoje, o cara faz tudo por conta própria.
Marsiglia
É uma solução a médio e longo prazo. Ninguém pode achar que profissionalizando não haverá mais erros. Com dedicação exclusiva e mais treinamento, a tendência é errar menos, mas o erro não vai acabar. Os árbitros têm de ter um salário fixo. Se o cara tem uma hepatite, e fica seis meses sem apitar, ou não é sorteado e fica um mês sem apitar, ele vive do quê? O profissionalismo pressupõe de obrigação, mas pressupõe de direitos também. Mas quem é quer pagar essa conta? Para pagar R$ 500 mil para um jogador tem dinheiro, para pagar R$ 10 mil, R$ 15 mil para o árbitro não tem.