O Brasil tem um serviço de inteligência pobre, que não está à altura de suas ambições globais, afirmou nesta quinta-feira o ex-embaixador americano no país Thomas Shannon. Segundo ele, os Estados Unidos podem ser um “parceiro útil” para os brasileiros no processo de construção desse sistema, que será cada vez mais necessário na medida em que o país amplie sua presença global e sedie eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
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– Há muitas pessoas interessadas no que está ocorrendo dentro do Brasil, que é o objetivo de ataques cibernéticos diários – declarou Shannon em palestra sobre a relação bilateral no Brazil Institute do Wilson Center, em Washington.
Documentos revelados pelo ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) Edward Snowden mostraram que os Estados Unidos monitoraram comunicações de cidadãos brasileiros e da presidente Dilma Rousseff, o que levou ao cancelamento da viagem que ela faria a Washington em outubro.
Entusiasta da relação bilateral e um dos maiores especialistas em Brasil na diplomacia americana, Shannon se disse frustrado com a interrupção do diálogo entre os dois países provocada pela divulgação dos documentos da NSA. A expectativa de seu governo é que ele seja retomado no início do próxima ano, depois que a Casa Branca concluir o trabalho de revisão das atividades de seu serviço de inteligência.
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Os EUA anunciaram que estão prontos para discutir uma nova data da visita de Dilma, mas Shannon acredita que o Brasil precisa de mais tempo para dar uma resposta. “O Brasil está esperando para ver o que podemos oferecer e como poderemos avançar.”
Segundo ele, os Estados Unidos apreciaram a maneira pela qual o governo brasileiro lidou com a carta de Snowden endereçada à população do país, na qual ele oferece ajuda nas investigações sobre a NSA e sugere a necessidade de asilo político.
Apesar de criar desafios, as revelações abriram a oportunidade para os dois países repensarem sua relação de inteligência, ressaltou. “Nossa esperança é que eles (os brasileiros) reconheçam que têm um parceiro útil em nós e que vão precisar olhar além das preocupações imediatas provocadas por Snowden para construir essa parceria”, afirmou, em relação à cooperação nessa área.
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A aprovação na quarta-feira de resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que estende à internet a proteção da privacidade prevista na Declaração Internacional dos Direitos foi apontada por Shannon como um exemplo de diálogo possível entre os dois países.
Apresentada por Brasil e Alemanha, a proposta foi modificada para contemplar posições americanas, o que permitiu sua aprovação por unanimidade. “Nós reconhecemos a importância da privacidade e de uma internet que é vista como um bem público global que precisa ser protegido.”
O fato de que a resolução não tem caráter obrigatório não diminui sua relevância, avaliou Shannon. “Ela captura um momento político e um propósito que precisa ser entendido e respeitado.”
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Apesar de reconhecer a seriedade e o impacto das revelações de Snowden, Shannon ressaltou que elas não podem dominar a relação bilateral. Sem citar nomes, o diplomata avaliou que seu peso foi exagerado por razões políticas, “não pelos próprios brasileiros”, mas por pessoas ligadas a Snowden, e que muitas das informações foram retiradas de seu contexto.
O diplomata ressaltou ainda a crescente integração entre as duas sociedades, que se reflete no comércio, no turismo e na matrícula de estudantes brasileiros em universidades americanas. Segundo ele, esse processo vai exigir dos dirigentes de ambos os países que encontrem caminhos para solucionar suas divergências. “Há uma urgência de recapturar a direção e o propósito de nossa relação.”