Foi em março de 1975 – meu Deus, está fazendo 40 anos! – que o velho Aristiliano Ramos desabafou para este repórter cuja pauta pretendia contar a vida do “último coronel”:
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– Pois é, meu filho, essa foi a realidade. Eu fiz a Revolução de 1930 aqui em Santa Catarina, mas quem comeu a canjica foi o Nereu Ramos.
Primos, dividiram-se em duas frondosas árvores políticas, depois de conviverem na grande arena do Partido Republicano, cheio de nichos e sublegendas. Uns seguiram Nereu e a Nova Ordem de Getúlio – e foram inaugurar a Aliança Liberal, embrião do velho PSD. Outros, ficaram com os constitucionalistas de São Paulo e fundaram a UDN, um partido paradoxal, com um grande senso de respeito legalista e uma grave deformação jurídico-militar: quando perdiam as eleições, iam fazer queixa nos quartéis.
Tive um pai jornalista, Rubens de Arruda Ramos, no PSD. E um tio, igualmente jornalista, Jaime, na UDN. Mais que irmãos, eram amigos do peito. Davam-se às mil maravilhas. Mas havia dois territórios em que o “partido” não entrava: quando se visitavam, na casa de um ou de outro, a política não passava da soleira.
Lages, reduto pessedista, também ficava “neutra” quando os irmãos se encontravam. Era o “pago”, a “querência” de ambos, emotivo território do coração, oásis demarcado para a paz espiritual e a tonificação da mente. Quase sempre em jornadas gastronômicas que incluíam a caça à perdiz e o leite da manhã na teta da vaca, o “camargo”, com colarinho, um autêntico “chope de leite”.
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Voltavam da querência com a pilha renovada, falando “lageanês”, como “apojo”(o leite extraído no final da ordenha), “pelego” (cobertor de pele de carneiro), “pealadas” (competição de laçar novilhos), “paçoca” (charque socado no pilão e misturado à farinha de mandioca) – e, além desse léxico, traziam também, como conquistadores, caças e troféus comestíveis, pouco vistos no litoral açoriano: pacas, tatus (cotia, não), perdizes, codornetas, charques, canjicas, rapaduras, e, é claro, pinhas inteiras para “debulhar”.
Pinhão era sinônimo de inverno. Um setembro com esse “friozim” é que é uma novidade neste velho mundo atrapalhado, politicamente tão incorreto. O frio é real, mas o pinhão, descongelado.