Celeste del Balle Melendre Chirinos, 48 anos, entrou no Brasil por Manaus. Mal desembarcou e a imigrante venezuelana começou a enfrentar dificuldades: teve a mala roubada. Por sorte, ela guardava documentos, parte do dinheiro e a passagem aérea para Florianópolis dentro da mochila.
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Em Santa Catarina, conforme combinado com um casal compatriota, ficaria hospedada com eles até que arranjasse um emprego. Mas ao chegar no endereço tomou outro choque, já que os amigos tinham ido embora para o Peru. Por um mês ela conseguiu pagar R$ 800 por um quarto. Até que o dinheiro acabou. Observadora que é, Celeste havia percebido que, à noite, um caminhão ficava estacionado nas imediações da hospedaria. Foi ali seu novo quarto.
– Eu me deitava embaixo, mas não conseguia pegar no sono, só cochilava. Eu tinha medo que o motorista ligasse o motor e me esmagasse – recorda.
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Mesmo em situação regular no país, foi um tempo difícil, bem diferente de agora, em que trabalha com carteira assinada.
– Eu nunca chorei tanto na vida como quando estive vivendo nas ruas.
Celeste é terapeuta ocupacional. Servidora pública dos ministérios da Saúde e da Comunicação da República Bolivariana da Venezuela e funcionária em uma clínica que atendia crianças, em Caracas, a capital, ela viu a moeda do país se desvalorizar ao ponto em que os três salários não eram mais suficientes para bancar o sustento dela e da filha universitária de 23 anos que cursa Fonoaudiologia. Divorciada, deixou os três filhos, já adultos, e partiu em busca de um novo destino.
Celeste conta que aprendeu bastante com as dificuldades. Se a rua é violenta, também é solidária. Ela conheceu imigrantes haitianos e se prontificou a cuidar das crianças enquanto trabalhavam. No fim do dia, eles traziam comida para ela. Também fez amizade com uma conterrânea que vendia paçocas nos semáforos. A mulher dividia as caixinhas dos doces com Celeste.
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– Eu observava as pessoas, mas não conseguia oferecer nada. Assim como para mim esmolar era uma violência muito grande – diz.
Celeste experimentou também o cárcere privado. Em troca de moradia, uma mulher ofereceu-lhe trabalho: faxinava, lavava roupas, fazia comida, cuidava da casa. Mas Celeste queria um emprego para se sustentar e ter autonomia. A ‘patroa’ a desencorajava, dizia ser perigoso e chaveava o portão para que não saísse. Celeste pediu socorro a uns venezuelanos que conheceu na rua. Juntos eles montaram um plano de resgate, à noite, enquanto a dona da casa dormia.
Sensibilizado pela história de imigrante, um pastor a levou para um abrigo, em São José. Certo dia, um dos coordenadores estava com dores nas costas e Celeste ofereceu seu conhecimento de terapias com água e gelo. Foi um sucesso e ela falou sobre a profissão. Hoje, é auxiliar de educador social, trabalha das 7h às 19h, cumpre plantão do fim de semana. Divide o tempo entre o trabalho junto a pessoas em situação de rua e à decoração da quitinete recém-alugada.
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Para Celeste, nenhuma pessoa deveria viver na rua. Acredita que para uma mulher é ainda pior.
– Até então, eu nunca havia passado um dia da minha vida sem tomar banho. Fui educada assim, a cuidar do corpo, e assim ensinei meus filhos.
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Celeste lembra que pedia para usar banheiro dos bares e restaurantes e com um pano que carregava na mochila lavava axilas e genitália.
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– Não era banho, mas eu me sentia mais limpa – conta.
Celeste diz sentir empatia por pessoas que se encontram nas ruas. Pensa na história que carregam, nas famílias, nos talentos e profissão de cada um:
– Quem me via sentada na praça, muitas vezes chorando, olhava para mim e pensava: uma moradora de rua. Mas eu tinha uma história atrás daquela imagem. Assim é com esses que a gente vê por aí.
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