Cidade de muitas etnias, Jaraguá do Sul se constituiu com base nos povos que para cá migraram. A miscigenação, tão característica das cidades brasileiras, se faz notar em Jaraguá do Sul ainda hoje, baseada nas muitas expressões culturais, gastronômicas, arquitetônicas e nos festejos que permeiam o calendário da cidade.

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Entre tantos povos, um dos traços mais marcantes ainda pode ser escutado. Os idiomas daqueles que migraram para a cidade seguem sendo falados, especialmente por moradores de mais idade. Em muitos casos, um movimento de resgate cultural atua ofertando aulas, trazendo de volta as origens linguísticas da cidade.

– O idioma é um dos pilares mais importantes de toda a cultura. Se fala, por exemplo, que a Hungria só é um país devido ao seu idioma. Se não há um trabalho de valorização, eles vão se perder – lembra o presidente da Fundação Cultural de Jaraguá, Sidnei Marcelo Lopes.

Sem poder separar o idioma das outras manifestações culturais de cada povo, as etnias de Jaraguá do Sul investem tanto em cursos quanto em eventos gastronômicos que incluem música e dança. Com toda a miscigenação, porém, não foge aos observadores a noção de que Jaraguá é, sobretudo, brasileira.

– Os imigrantes valorizam muito essas terras, pois eles não tinham nada de onde vieram. E por isso valorizam o trabalho, pois tiveram de conquistar seus bens. Mas eles são brasileiros. Jaraguá é multicultural, mas com uma brasilidade muito forte. Somos esse Brasil que é misturado – destaca Lopes.

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ALEMÃES

Anísio e Sônia Ruediger nasceram em meio ao idioma alemão. Moradores do bairro Rio Cerro, as palavras em português só vieram a fazer parte de seu repertório na época escolar. Em muitos outros bairros da cidade a situação se repete, entre jaraguaenses que ainda mantêm no idioma os traços de sua descendência.

Entre o casal Anísio e Sônia, é o alemão que predomina nos diálogos, misturado a algumas palavras de português. Sua filha, Daysi Ruediger Minatti, seguiu os passos dos pais até a época escolar e hoje pouco utiliza o idioma.

– Hoje é mais difícil escutar as pessoas falando, então a língua se perde – avalia Daysi.

Membros da Sociedade Recreativa Alvorada, Anísio e Sônia mantêm no grupo outras heranças alemãs. As tradicionais festas de tiro de rei e a gastronomia são cultivadas em eventos que atraem turistas.

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Em Jaraguá do Sul, são mais de 15 sociedades recreativas de tradições germânicas. Uma das grandes festas da cidade, a Schützenfest, também é dedicada à cultura alemã.

Já o Centro de Cultura Alemão serve como polo para o ensino do idioma. Além das aulas, o Centro ainda mantém um coral, disponibiliza livros e DVDs em uma biblioteca e videolocadora, assim como organiza eventos anuais como a tarde de jogos, o jantar dançante e um café colonial.

ITALIANO

Nereu Ramos é o berço italiano em Jaraguá do Sul. Vindos de Trento, de Veneto e da Lombardia, eles determinaram a cultura dessa região, influenciando os moradores. É o caso de Giuliano Sávio Berti, cujo pai é descendente de imigrantes de Cavedine, no Trento.

– Eu vivi nesse ambiente, crescendo com os descendentes, ouvindo o dialeto trentino. O dialeto é mantido oralmente. As pessoas de mais idade ainda falam o trentino, mas nos últimos 20 anos o idioma se perdeu muito – conta ele, que é coordenador dos Círculos Trentinos do Norte de Santa Catarina.

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Em Jaraguá do Sul, o Círculo Trentino faz parte do Circulo Italiano, que congrega as manifestações do país itálico na cidade. 21 alunos frequentam as aulas de italiano. Além das aulas, o Circulo mantém os ensaios semanais do Coral Italiano de Jaraguá do Sul, além de dispor de uma biblioteca e auxiliar com informações para quem deseja obter a cidadania italiana.

POLONÊS

Os poloneses foram a última etnia a instalar-se na cidade. A maioria mudou-se de cidades como São Bento do Sul, Indaial e Corupá. Hoje, a Associação da Cultura Polonesa de Jaraguá do Sul é o foco de encontros dessa etnia. É lá que se fala, se reza e se canta em polonês. Os trajes típicos são utilizados em festas e a culinária é saboreada.

Ignácio Arendt é um dos fundadores da Associação, criada em 2002. Nascido em Benedito Novo, ele aprendeu o polonês como língua materna e foi apenas aos 11 anos, na escola, que o português passou a fazer parte de sua vida. Para Arendt, a modernidade materializada em televisores, rádio e internet, faz com que a aproximação de um idioma como o polonês seja difícil aos jovens.

Mesmo que muitos traços da cultura polonesa sejam mantidos pela gastronomia e cultura, Ignácio admite que é na língua que reside um aspecto fundamental de um povo.

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– O idioma é o principal que se tem para manter uma cultura. Ele é a raiz que conserva as expressões do que se pensa, se faz.

Hoje, a Associação oferece curso do idioma, tem um coral de cantos folclóricos e um programa semanal em uma rádio.

NEGROS

Se os traços do idioma ficam restritos a termos como “candomblé”, “gangorra”, “cachimbo” e “fubá”, entre tantos outros importados da África pelo Brasil, não há mais um idioma único herdado pelos negros brasileiros. Outros aspectos culturais, porém, permanecem vivos e fortes. Em Jaraguá do Sul, entidades agem em prol do fortalecimento das manifestações negras.

O Movimento da Consciência Negra do Vale do Itapocu (Moconevi), criado em 2001, é um desses grupos. Com coral encontros de dança e capoeira, além de um projeto em parceria com o Grupo Artístico Teatral (GATS), o Moconevi investe na manutenção cultural.

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A presidente da entidade, Suzana Leite da Silva, explica que um dos focos é para que os negros se sintam participantes da comunidade.

– Muitos dizem que não existem negros em Jaraguá, mas existem sim. O Manequinha, por exemplo. Ele deixou o legado do carnaval.

HÚNGARO

O Garibaldi é o bairro marcado pela imigração húngara. O idioma foi um dos primeiros traços que se perderam na nova terra. Segundo Sidnei Marcelo Lopes, que tem dois livros escritos sobre os húngaros em Jaraguá, eles passaram a falar o Schwabisch, um dialeto germânico. Algumas palavras húngaras persistiram, mas os falantes tornaram-se raros.

Agora, um movimento de retomada ocorre. Em 2013, o Governo do país europeu facilitou a documentação para aquisição da cidadania, porém são necessários conhecimentos do idioma.

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Com isso, começou um movimento de procura por aulas. Cristiane Kitzberger é uma das professoras na cidade. Descendente de húngaros, ela lembra de algumas palavras faladas pela avó. Em 2010 viajou à Hungria e hoje dá aulas. Jaraguá ainda conta com uma bolsista enviada pelo Governo Húngaro, que dá aulas gratuitas do idioma.

Outro foco é a Associação Húngara de Jaraguá do Sul. Seu presidente, Délcio Luís Demarchi tem na infância traços da cultura. Atualmente, a associação conta com o Grupo de Danças húngaras Dunántúl, que completa 20 anos em 2015.

HISTÓRIA

Em 1876, chegou à atual região do Vale do Itapocu o engenheiro e coronel honorário do Exército Brasileiro Emílio Carlos Jourdan. Trouxe consigo 60 trabalhadores, entre eles escravos libertos, que criaram um engenho de cana-de-açúcar, uma serraria, uma olaria, um engenho de fubá e mandioca, além de cultivar uma plantação de cana-de-açúcar.

Foi a partir de 1889 que outras etnias chegaram em grandes grupos à região. Húngaros, alemães e italianos estabeleceram-se na cidade nessa época, seguidos de levas posteriores de migrantes. Já os poloneses tiveram sua grande migração apenas após a Segunda Guerra Mundial.

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Apesar da miscigenação, foi inegável a predominância da cultura alemã até a década de 1970. O motivo é meramente numérico. Um Censo de 1912 mostra que dos 8 mil habitantes de Jaraguá do Sul (que na época incluía Corupá), dois mil eram falantes de português, mil de italiano, 500 de polonês e 4.500 de alemão (incluindo os húngaros, que falavam Schwabisch, um dialeto germânico que foi permeado de palavras húngaras).

Foi a partir de 1970 e especialmente em 1980 que outro tipo de migração passou a ocorrer, desta vez interna. A forte industrialização da cidade fez com que empresários buscassem mão de obra em outros Estados brasileiros.

– No Paraná e até Rio Grande do Sul encontravam-se outdoors com os dizeres: “venha para Jaraguá do Sul”. Eles exaltavam a vida na cidade para atrair trabalhadores – conta a historiadora do Arquivo Histórico Silvia Regina Toassi Kita.

Para a historiadora, essa mistura de etnias criou respeito entre as diferentes culturas da cidades. Hoje, eventos de sociedades distintas são frequentados por membros de diferentes etnias, que se apoiam mutuamente. Silvia também ressalta o espírito empreendedor trazido pelos imigrantes.

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– Na época em que muitos vieram para o Brasil, era forte na Europa o conceito de evolução social e de corporações como cooperativas. Veio com eles esse ideal.